Racismo na infância: marcas profundas e desafios no interior de SP
Racismo na infância deixa marcas profundas em SP

Racismo na infância: feridas que permanecem

O racismo na infância deixa cicatrizes emocionais profundas que desafiam pais, alunos e educadores no interior de São Paulo. Relatos comoventes de crianças vítimas de discriminação racial revelam um problema estrutural que exige atenção imediata e ações concretas.

Histórias que doem: o peso do preconceito

Uma mãe, que preferiu não se identificar, compartilhou com a TV TEM a dor de ver sua filha de sete anos sofrer preconceito por causa do cabelo. "Ela tem sete anos e ainda não consegue arrumar o cabelo sozinha. As meninas viram que não estava preso e começaram a comentar", relatou a mãe. A impotência diante da situação é palpável: "Me sinto impotente como mulher preta e mãe. Há lugares onde não consigo estar com ela para proteger ou tentar contornar a situação".

Marina Ceneviva Nigro, de 12 anos, também carrega as marcas do racismo. "Foi por causa do cabelo, dos óculos e da pele. Fiquei muito chateada e angustiada. Guardei rancor por muito tempo e demorei para contar à família", confessou a adolescente. Quando finalmente compartilhou sua dor, sentiu alívio: "Quando falei, senti leveza, como se tirasse um peso".

Diário de ofensas: a crueldade nas escolas

Em Vicentinópolis, distrito de Santo Antônio do Aracanguá, um menino de 10 anos viveu situação ainda mais grave. Seu pai, o aposentado José Eduardo de Castilho, descobriu que alunos haviam escrito um diário com ofensas racistas contra o filho. O estudante era chamado de "macaco", "preto", "maconheiro" e "mendigo" por colegas de classe.

"Não consigo nem descrever o que sinto. É revoltante demais. Só quem lê e quem passa por isso sabe o que acontece na cabeça de um pai. É difícil", desabafou o aposentado.

Educação como antídoto: lei e prática

A Lei 10.639, de 2023, que prevê o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas, representa um avanço importante no combate ao racismo estrutural. Em São José do Rio Preto, uma escola decidiu ir além da teoria e implementar ações efetivas contra o preconceito.

Ana Maria Gomyde, coordenadora pedagógica, explicou que o racismo se tornou tema de atividades extracurriculares. "Esse trabalho faz parte do plano de ensino do primeiro ao quinto ano. No primeiro ano, por exemplo, fazemos rodas de conversa e saraus de poesia, escolhendo autores que não tiveram voz ao longo da história".

Josiane Melo testemunhou a eficácia dessa abordagem quando seu filho sofreu racismo na escola. "Meu filho chegou em casa e disse que um amigo chamou ele de 'preto fedido'. Isso doeu muito. Procurei a escola, que foi acolhedora". A instituição não apenas mediou o conflito, mas convidou Josiane para uma roda de conversa com os alunos.

O papel transformador da escola

Vanessa Cristina Pavezi, diretora da escola, alerta sobre a gravidade do problema: "Não existe brincar de ofender ou machucar. A ferida não é externa, é ainda maior. Como não enxergamos, não cuidamos".

Heitor Raphael de Melo, de 11 anos, já compreende a importância do aprendizado antirracista: "Eu já sofri racismo várias vezes. Na escola aprendemos que isso não pode acontecer. É errado".

Juliana Prates, psicóloga, reforça o papel fundamental da educação no enfrentamento ao racismo: "Nomear esse tipo de situação como racismo é importante para o enfrentamento. As crianças podem cometer atos racistas porque reproduzem o que veem na sociedade. Por isso precisamos discutir e reconhecer o problema".

O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, ganha ainda mais relevância nesse contexto, representando não apenas uma data simbólica, mas uma oportunidade concreta para discutir igualdade racial e combater o racismo desde a infância.