Igualdade racial ainda é distante no Brasil, apontam ativistas negras
Igualdade racial distante no Brasil, dizem ativistas

No Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, ativistas do movimento negro avaliam que a igualdade racial ainda representa um cenário distante no Brasil. Embora reconheçam avanços obtidos através de políticas como as cotas raciais e a demarcação de territórios quilombolas, elas destacam o contraste com um preocupante recrudescimento da violência racial e o fortalecimento de movimentos que negam a existência do racismo.

Desafios persistentes e retrocessos

Carmela Zigoni, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), não acredita que haja motivos para grandes comemorações no Brasil em termos de avanços em igualdade racial. "São muitos os desafios ainda. A gente está longe de alcançar uma equidade racial de fato no Brasil, um país muito racista", afirmou em entrevista à Agência Brasil.

Ela citou como exemplo o caso ocorrido no último dia 12 de novembro, quando policiais militares armados invadiram a escola Emei Antônio Bento, no bairro do Butantã, em São Paulo. A ação foi desencadeada após um militar, pai de uma criança de 4 anos, fazer uma denúncia porque a filha havia desenhado um orixá em tarefa escolar. O episódio provocou repúdio de parlamentares e entidades, apesar de a Lei 10.639/2023 garantir que o ensino sobre a contribuição afro-brasileira é obrigatório nas escolas.

Carmela também criticou a gestão do governo Bolsonaro, que classificou como "extremamente racista" por retirar a política de igualdade racial do plano de governo. Entretanto, ela elogiou a retomada dessa política pelo governo federal atual, que recolocou a questão no plano plurianual, emitiu decretos de regularização fundiária para populações quilombolas e destinou orçamento para essa política pública.

Conquistas e limites das políticas afirmativas

Lúcia Xavier, fundadora da ONG Criola - Pelos Direitos das Mulheres Negras, reconhece que a mudança de um governo conservador para outro mais democrático melhorou um pouco o ambiente para a população negra brasileira. No entanto, ressalta que isso não pode ser entendido como avanço dos direitos.

"Você tem uma ação afirmativa voltada para a educação, o que é uma coisa muito positiva, mas, em compensação, não tem trabalho, há uma violência policial enorme, você tem dificuldade de permanecer nas universidades", analisou.

Alane Reis, coordenadora da Revista Afirmativa e ativista da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) e do Instituto de Mulheres Negras (Odara), avalia que é possível celebrar algumas conquistas da luta pela igualdade racial, fruto de décadas e até séculos de organização política coletiva da população negra.

Entre essas conquistas, ela destaca:

  • Políticas afirmativas nas universidades e concursos públicos
  • Garantia constitucional do direito das populações quilombolas
  • Quebra do mito da democracia racial

Alane frisa, porém, que a população negra, sobretudo as mulheres negras, ainda vivencia os piores níveis sociais em todos os setores. "Nós somos a base da pirâmide e, nas estatísticas sobre acesso à renda, à educação, a direitos civis e políticos, nós somos a minoria. Somos 2% do Congresso Nacional e nunca existiu no Supremo Tribunal Federal (STF) uma mulher negra ocupando uma cadeira".

Dados alarmantes e mudanças culturais

Dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania revelam que, de janeiro de 2025 até 16 de novembro, o serviço Disque 100 recebeu 13.813 denúncias de igualdade racial, compreendendo racismo, injúria racial e violência política e étnico-racial, com 26.901 violações.

Os estados com maior número de denúncias são:

  • São Paulo: 3.631 denúncias
  • Rio de Janeiro: 1.898 denúncias
  • Minas Gerais: 1.260 denúncias

As mulheres são as principais vítimas das denúncias de racismo este ano, representando 51,51% do total, enquanto os homens somam 38,64%.

Apesar dos desafios, Alane Reis destaca uma mudança cultural significativa: "As políticas afirmativas influenciaram a juventude negra, que hoje é orgulhosa de sua negritude, o que não ocorria há 20 ou 30 anos. Os jovens não se orgulhavam do seu cabelo, da sua negritude, da sua cultura, e isso foi quebrando ao longo do tempo".

Ela completa: "Nos últimos 10 ou 15 anos, isso mudou. As crianças negras falam de sua cor e não de forma mais amenizada, tratando-se como moreninhas. O cenário hoje é diferente".