1 em 6 crianças ucranianas são treinadas para lutar contra seu próprio país
Crianças ucranianas treinadas para guerra contra próprio país

Em uma realidade perturbadora nos territórios ucranianos ocupados pela Rússia, crianças estão sendo sistematicamente treinadas para lutar contra seu próprio país. Uma investigação detalhada revela que aproximadamente uma em cada seis crianças ucranianas nessas regiões está participando de programas de militarização forçada.

O recrutamento nas escolas ocupadas

Nas escolas da região de Kherson, no sul da Ucrânia, cenas alarmantes se tornaram rotineiras. Enquanto algumas crianças recebem medalhas e presentes vestindo uniformes militares bege e boinas vermelhas, outras observam em silêncio os privilégios concedidos aos membros da Yunarmiya - o Exército da Juventude russo.

Os recrutas mais jovens têm apenas oito anos de idade e recebem tratamento especial: refeições separadas na cantina, alimentos de melhor qualidade e avaliações privilegiadas pelos professores. "Eles conseguem notas altas mesmo se não souberem a matéria", relata Serhiy, estudante de 12 anos que se recusou a ingressar na organização.

A recusa tem consequências graves. Serhiy foi punido com notas mais baixas e precisou trocar de escola diversas vezes durante os três anos em que viveu sob ocupação russa. Agora realocado para território ucraniano, ele estima que até metade de seus antigos colegas tenham se inscrito em programas militarizados.

A expansão da Yunarmiya na Ucrânia ocupada

A Yunarmiya foi fundada em 2016 pelo ministro da Defesa russo Sergei Shoigu e atualmente conta com cerca de 1,8 milhão de crianças em toda a Rússia e territórios ocupados. Desse total, 43 mil são crianças ucranianas em regiões sob controle russo.

O líder da organização, Vladislav Golovin - um fuzileiro naval que participou da tomada de Mariupol - descreve a missão como instilar "a Rússia em cada passo" da vida das crianças. As atividades incluem aprender a beijar a bandeira russa, cantar o hino nacional e manusear armas de fogo.

Após a anexação de quatro regiões ucranianas em 2022, a Yunarmiya iniciou recrutamento em massa de crianças. Somente na região de Donetsk, existem agora 180 unidades oficiais da organização. Em algumas escolas, criaram-se "classes inteiras da Yunarmiya" com pais sendo pressionados a inscrever seus filhos sob ameaça de multas.

Treinamento militar e doutrinação ideológica

As crianças participam de campos de treinamento na Rússia durante as férias escolares, onde aprendem a usar armas como lança-chamas, metralhadoras e granadas. Também recebem instrução para pilotar drones e hackear sistemas de comunicação via satélite.

Pesquisadores da Universidade Yale identificaram 210 desses acampamentos, sendo que 20% são totalmente dedicados ao treinamento militar. Entre janeiro e agosto de 2025, a BBC calcula que o grupo promoveu pelo menos 1.275 eventos na região ocupada de Donetsk.

Além do treinamento militar, as crianças são submetidas a intensa doutrinação ideológica. Nas aulas obrigatórias, a Ucrânia é retratada como Estado neonazista e sua existência como nação é negada. Paralelos são traçados entre os nazistas da Segunda Guerra Mundial e o que as autoridades russas chamam de "neonazistas" na Ucrânia.

Violações dos direitos humanos e consequências internacionais

As autoridades ucranianas documentaram a "deportação" de pelo menos 19,6 mil crianças para a Rússia desde o início do conflito. Em março de 2023, o Tribunal Penal Internacional emitiu ordens de prisão contra Vladimir Putin e a comissária russa dos direitos das crianças, Maria Lvova-Belova, acusados de transferência forçada de crianças.

As Nações Unidas declararam que essas transferências constituem crimes de guerra. Enquanto isso, a Ucrânia conseguiu repatriar mais de 1,5 mil crianças com ajuda de organizações como a Save Ukraine.

Os promotores ucranianos investigam líderes da Yunarmiya por militarizarem crianças, em contravenção às leis e costumes de guerra. A legislação internacional proíbe expressamente o recrutamento de menores de idade no exército de forças de ocupação.

Ativistas dos direitos humanos afirmam que estas ações fazem parte da estratégia de Moscou para dividir a sociedade ucraniana e estabelecer uma base de mobilização forçada. Há relatos de que ucranianos recrutados quando crianças estariam sendo mortos lutando contra seu próprio país.