A Operação Lava-Jato, deflagrada em 2014, revelou ao Brasil o nível profundo de promiscuidade entre interesses públicos e privados no país. No entanto, mesmo após o maior escândalo de corrupção da história brasileira, certas tradições políticas demostram uma resistência impressionante em Brasília.
O legado da Lava-Jato e as mudanças no sistema
Além das doações ilegais via caixa dois para campanhas eleitorais, as investigações comprovaram que grandes empresas pagavam propina sistematicamente a políticos, diretores de estatais e servidores públicos. Esses pagamentos ilegais garantiam contratos superfaturados e a aprovação de projetos no Congresso Nacional.
Como consequência direta dessas descobertas, o Supremo Tribunal Federal proibiu em 2015 a doação eleitoral de empresas. A medida buscava reduzir a influência do poder econômico nas eleições e, potencialmente, diminuir a corrupção no país.
Entretanto, essa decisão judicial gerou um efeito colateral significativo: uma conta de quase 5 bilhões de reais financiada pelos contribuintes para bancar as campanhas eleitorais de 2022.
O caso Banco Master e as relações perigosas
O dono do Banco Master, Daniel Vorcaro, construiu metodicamente uma extensa rede de contatos poderosos em Brasília. Sua estratégia incluía a distribuição de favores a políticos e a contratação de pessoas influentes nos Três Poderes da República.
Embora não haja registro de irregularidades nessas parcerias, Vorcaro colheu uma dose generosa de boa vontade de seu investimento em relacionamentos.
Um exemplo emblemático ocorreu quando o senador Ciro Nogueira, presidente do Progressistas, defendeu a aprovação de uma emenda que beneficiava diretamente instituições como o Banco Master. A proposta aumentava de 250 mil para 1 milhão de reais o valor do ressarcimento pago pelo Fundo Garantidor de Crédito a portadores de títulos de bancos com dificuldades financeiras.
A emenda não foi aprovada, mas demonstrou o alcance da influência construída por Vorcaro.
A proteção da rede de contatos
Outros integrantes do Progressistas tentaram, sem sucesso, aprovar a destituição de diretores do Banco Central. A movimentação coincidiu com o momento em que a autoridade monetária sinalizava que vetaria a compra do Master pelo BRB.
É importante ressaltar que não há indícios de que a ação dos parlamentares tenha sido motivada por qualquer tipo de negociata. Contudo, também não existe uma explicação razoável para uma ofensiva daquela magnitude sobre o Banco Central naquele período específico.
O fato mais revelador: Daniel Vorcaro, preso pela Polícia Federal, recebeu solidariedade silenciosa de sua extensa rede de contatos. Apesar das dimensões do escândalo do Banco Master, não há mobilização no Congresso pela criação de uma CPI para investigar o caso.
As tradições que resistem aos escândalos
O fenômeno observado no caso Banco Master repete-se em outras frentes. Na CPI que investiga desvios contra aposentados e pensionistas do INSS, a apuração parlamentar não avança diante de indícios de relações umbilicais entre algumas entidades e determinados políticos.
Não é por falta de material para análise que as investigações estagnam. Certas relações, quando bem cultivadas, rendem proteção eficiente.
Os escândalos bilionários, da Lava-Jato ao Banco Master, passando pela rapinagem de idosos, demonstram uma realidade preocupante: nenhum deles foi capaz de estabelecer uma linha divisória clara e permanente entre interesses públicos e privados em Brasília.
As tradições políticas de confraternização entre esses interesses mostram uma força que resiste até mesmo às maiores operações anticorrupção já realizadas no país.