2 vereadores presos em 10 dias expõem aliança entre crime e política no RJ
Vereadores presos revelam ligação entre crime e política

Em menos de duas semanas, a cidade de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, foi palco de duas operações policiais que resultaram na prisão de vereadores eleitos com ampla votação. Os casos escancaram as profundas conexões entre o crime organizado e a estrutura política municipal.

Operação Muro de Favores prende vereador por apoio ao TCP

Na terça-feira, 25 de novembro de 2025, Ernane Aleixo (PL), terceiro vereador mais votado do município, foi detido em sua residência durante a Operação Muro de Favores. A ação investiga uma rede criminosa ligada ao Terceiro Comando Puro (TCP).

De acordo com a Polícia Civil, o parlamentar oferecia suporte logístico à facção. Foram apreendidos aproximadamente 50 mil reais em espécie durante a busca em sua casa. Evidências incluindo áudios e mensagens indicam que Aleixo teria fornecido equipamentos para a construção de barricadas em Vilar dos Teles, dificultando o acesso de autoridades e serviços essenciais às comunidades.

Através de suas redes sociais, a defesa do vereador alega que as acusações são completamente infundadas.

Vereador mais votado é flagrado com arma e medicamentos

Apenas dez dias antes, em 14 de novembro, Marcos Henrique Matos de Aquino (Republicanos), o vereador mais votado nas últimas eleições, foi preso em flagrante durante a Operação Contenção, que combate a expansão do Comando Vermelho na região.

Embora não fosse alvo inicial da operação, o parlamentar foi detido ao comparecer em um endereço onde policiais cumpriam mandado contra seu irmão, Luiz Paulo Matos de Aquino. No carro oficial da Câmara Municipal utilizado por Marcos Henrique, os agentes encontraram uma arma de fogo registrada em nome de terceiro e diversas caixas de medicamentos de uso controlado.

O vereador pagou fiança e recuperou a liberdade poucas horas após a prisão.

Família de Marcinho VP ocupa cargos estratégicos

As investigações revelam que a influência das facções criminosas vai além do Legislativo. Um núcleo ligado ao Comando Vermelho, comandado por Cristiano dos Santos Hermogenes - irmão do conhecido traficante Marcinho VP - consolidou posições de poder dentro da estrutura da prefeitura.

Sem ocupar cargo formal, Cristiano é descrito por diversas fontes como uma figura decisiva nos bastidores da administração municipal. Indicações feitas por ele ocupam postos-chave no governo:

  • Márcia Real assume a Subsecretaria da Mulher
  • Lorival Almeida de Oliveira, advogado de Cristiano, comanda a Secretaria do Idoso e da Pessoa com Deficiência
  • Wagner Turques, identificado como membro da "equipe Cristiano Santos", é subsecretário da mesma pasta
  • Cristian Santos, sobrinho de Marcinho VP, trabalha na Secretaria de Governo com salário de 8 mil reais
  • Thaís Terra, casada com outro sobrinho do traficante, atua como assessora de Segurança Institucional com remuneração de 13 mil reais

Os vencimentos mensais ligados ao clã ultrapassam 55 mil reais.

Estratégia eleitoral em territórios dominados pelo crime

Segundo analistas da política local, o fortalecimento desse grupo tem uma lógica clara: articulação eleitoral em áreas controladas pelo Comando Vermelho. O prefeito Léo Vieira (Republicanos) obteve votações expressivas em bairros dominados pela facção, alcançando 63% dos votos em São Mateus, 64% no Éden e 67% em Tomazinho.

Aliados políticos afirmam que a parceria deve continuar até as eleições de 2026, quando Vieira pretende lançar seu filho, Leozinho, como candidato à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Em nota oficial enviada à imprensa, o prefeito nega qualquer tipo de vínculo com organizações criminosas e afirma que sua gestão segue rigorosamente os princípios da legalidade. Cristiano dos Santos Hermogenes não se manifestou sobre as acusações.

Histórico de envolvimento com o poder público

A relação entre o grupo de Cristiano e o poder público não é recente. Em 2006, ele foi preso ao ser flagrado com uma agenda contendo anotações sobre ações do Comando Vermelho nas comunidades locais.

Eleito vereador em Belford Roxo em 2017, Cristiano abriu caminho para que Márcia Gama - esposa de Marcinho VP - assumisse cargo no Legislativo municipal. Ela foi afastada do posto após revelações de que não comparecia ao trabalho há cinco anos, mas mesmo assim recebeu 50 mil reais em valores retroativos.

Para Daniel Hirata, especialista em segurança pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), "ao influenciar o poder público, o crime organizado corrompe agentes, interfere em políticas locais e garante sua impunidade".

Os recentes episódios em São João de Meriti evidenciam um padrão preocupante de infiltração criminosa nas instituições democráticas, levantando questões urgentes sobre o futuro da segurança pública e da integridade política na Baixada Fluminense.