Adiamento busca consenso sobre combate ao crime organizado
As lideranças partidárias da Câmara dos Deputados decidiram nesta terça-feira (11) adiar a votação da proposta que estabelece o marco legal do combate ao crime organizado. O projeto, conhecido como PL Antifacção, estava previsto para ser analisado durante a tarde, mas divergências em torno do relatório apresentado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP) levaram ao adiamento.
Segundo informações das lideranças, a decisão de transferir a votação para esta quarta-feira (12) tem como objetivo construir consenso e dissipar resistências em relação ao texto. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Polícia Federal, entidades da sociedade civil e especialistas têm criticado as alterações feitas pelo relator na proposta original enviada pelo Executivo.
Principais pontos de controvérsia
Entre os impasses que motivaram o adiamento, destacam-se as possíveis mudanças nas competências de investigação da Polícia Federal e trechos que sujeitam crimes de facções e milícias às penas previstas para atos de terrorismo. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), deve se reunir nesta terça-feira com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para tratar do tema.
Motta tem atuado pessoalmente para tentar diminuir as desconfianças em torno do projeto. O deputado intermediou conversas entre o relator e autoridades, buscou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e se envolveu na redação do parecer de Derrite. No entanto, essas iniciativas ainda não foram suficientes para destravar a votação.
Ministros e a base governista na Câmara continuam avaliando que as mudanças sugeridas por Guilherme Derrite podem levar a uma espécie de "blindagem" ao crime organizado. Membros da Polícia Federal e do Ministério da Justiça apontam que o texto poderia acabar com investigações já em andamento na PF contra facções criminosas.
Posicionamento das lideranças
O líder do governo na Casa, deputado José Guimarães (PT-CE), afirmou que o assunto deve ser tema da tradicional reunião de lideranças do Planalto com a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. Guimarães defendeu que o projeto antifacções seja votado nesta quarta-feira, declarando: "Precisamos tirar isso da frente".
Já o líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL), avaliou que é "praticamente impossível" que o projeto seja analisado nesta terça. Segundo ele, Guilherme Derrite deverá apresentar o "texto possível", que tenha concordância do conjunto dos deputados.
O presidente Hugo Motta descartou qualquer alteração nas prerrogativas da PF durante conversa com jornalistas. "A Câmara não permitirá, em nenhum momento, que a PF perca suas prerrogativas. Essa é uma condição inegociável", declarou o paraibano.
Controvérsias sobre terrorismo e atuação da PF
Guilherme Derrite tem rebatido as críticas feitas pelo governo. O parlamentar afirma que o enquadramento de condutas de organizações criminosas como atos de terrorismo não abre margem para uma intervenção estrangeira, como tem avaliado o governo. Derrite também diz que acolheu diversas sugestões e que não reduziu atribuições da Polícia Federal.
Na primeira versão de seu relatório, Derrite propôs estabelecer que a PF somente poderia atuar no combate ao crime organizado mediante provocação dos governos estaduais. Após reunião com o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, e nota pública da corporação, o relator fez mudanças em uma tentativa de atenuar a limitação das prerrogativas.
O novo texto estabelece que a Polícia Federal poderá participar das investigações em conjunto com a polícia estadual, mediante solicitação do delegado de polícia estadual ou do Ministério Público estadual, ou por iniciativa própria, desde que comunique a investigação às autoridades estaduais.
No entanto, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, avaliou que as alterações feitas por Derrite na noite de segunda-feira (10) continuam limitando a atuação da PF no combate às facções. Lindbergh afirmou que a medida esconde uma "pegadinha" que pode blindar deputados e senadores investigados por corrupção.
"Pode ser que, com o texto atual, investigações sejam mandadas para as justiças estaduais", disse o parlamentar, acrescentando: "Não aceitamos tirar um milímetro de poder da Polícia Federal".
Contexto político do relator
Guilherme Derrite foi eleito deputado federal em 2022 e atualmente ocupa o cargo de secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo, comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O deputado deixou temporariamente a pasta com o objetivo de assumir a relatoria e ganhar projeção nos debates sobre propostas de combate ao crime organizado. Derrite é pré-candidato ao Senado.
Parlamentares aliados ao Planalto enxergam nas alterações sugeridas por Derrite uma tentativa de rivalizar oposição e governo, visando a ganhos eleitorais no próximo ano.
Pontos mantidos do texto original
Apesar das controvérsias, Derrite manteve outros pontos do texto enviado pelo governo. O projeto é a principal aposta do Executivo para tentar sufocar o crime organizado e foi construído a pedido do Ministério da Justiça, tendo sido discutido junto ao presidente Lula.
Entre outros pontos, a proposta prevê:
- Aumento de penas para crimes do crime organizado
- Infiltração de delatores em organizações criminosas
- Criação de um banco nacional de organizações criminosas
- Endurecimento das regras para progressão de regime de pena
O presidente Hugo Motta reafirmou o compromisso da Câmara com o combate ao crime organizado, mas destacou a importância de preservar a soberania nacional: "Nós temos como base o preceito de que precisamos, sim, endurecer as penas, precisamos tipificar os crimes mais atuais, mais modernos, precisamos ser mais enérgicos com os chefes das facções criminosas, mas sem permitir que haja qualquer questionamento acerca da soberania".