A Polícia Civil do Amapá desencadeou uma operação de grande impacto que resultou na prisão de mais de 20 suspeitos de integrarem grupos políticos associados a facções criminosas. A Operação Lâmina de Prata, realizada na última terça-feira (18), revelou conexões alarmantes entre o poder público e o crime organizado no estado.
O papel central do ex-secretário
Entre os presos está José Diercilei Nei de Souza, então secretário de Infraestrutura de Vitória do Jari, município localizado no extremo sul do Amapá. Ele foi detido durante a operação e exonerado do cargo na quarta-feira (19), um dia após sua prisão.
Segundo as investigações da Polícia Civil, José Diercilei exercia funções estratégicas para a facção Família Terror Amapá (FTA), que mantém aliança com o Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das maiores organizações criminosas do país.
As atribuições do ex-secretário incluíam:
- Fornecimento de drogas para operadores locais
- Operação de movimentações financeiras ilícitas
- Beneficiário de esquemas de corrupção
Movimentações financeiras suspeitas
As investigações revelaram que, entre maio de 2022 e janeiro de 2025, José Diercilei movimentou mais de R$ 3,3 milhões em sua conta pessoal, conforme relatório obtido pela polícia do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
O delegado Estéfano Santos, da Divisão de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), explicou que a movimentação na conta do ex-secretário era incompatível com sua renda e apresentava fortes indícios de lavagem de dinheiro.
"O PCC e a FTA dividiam áreas de revenda de entorpecentes e adquiriam juntos a droga. Ele recebia valores em sua conta tanto de integrantes do PCC como também da FTA", afirmou o delegado ao g1.
Estratégia criminosa sofisticada
As investigações mostraram que o ex-secretário não apenas movimentava recursos, mas também aplicava mecanismos financeiros sofisticados para dar lucro ao dinheiro da facção.
"Ele fazia aplicações em caderneta de poupança e outros investimentos para que o dinheiro da facção rendesse. Também realizava transferências para aquisição de entorpecentes e recebia valores pulverizados em sua conta, utilizando mecanismos de lavagem de dinheiro para repassar esses recursos a diversas outras contas", detalhou o delegado Estéfano Santos.
A conta bancária de José Diercilei funcionava como uma central de distribuição dos valores do tráfico de drogas no estado, conforme constatado pela polícia através do acesso a celulares de traficantes.
Conexões interestaduais e internacionais
Parte dos valores movimentados pelo ex-secretário era direcionada para regiões estratégicas do narcotráfico, especialmente no Amazonas, na região de Tabatinga, fronteira com a Colômbia.
"Ele promovia o repasse de valores para aquisição de drogas em outros estados, especialmente no Amazonas, na região de Tabatinga, fronteira com a Colômbia, que é um dos principais fornecedores para o Amapá", explicou o delegado.
Indícios de corrupção no poder público
A investigação também identificou repasses suspeitos envolvendo a prefeitura de Vitória do Jari. Uma empresa contratada pela administração municipal para obras públicas transferiu R$ 100 mil para a conta pessoal do secretário.
Segundo o delegado, a empresa funcionava como 'laranja' para intermediar desvios de recursos públicos. "Cerca de R$ 100 mil foram identificados nessas transferências. Essa empresa também foi alvo de mandados de busca e apreensão. Os recursos desviados da prefeitura foram inseridos nessa atividade voltada ao tráfico de drogas", disse.
Posicionamento da prefeitura
Em nota divulgada após a prisão do então secretário, a prefeitura de Vitória do Jari informou que "embora eventuais fatos não tenham qualquer ligação com a prefeitura municipal de Vitória do Jari, a administração acompanha o desenrolar dos acontecimentos, observando a lei e a presunção de inocência".
A administração municipal confirmou a exoneração do secretário da pasta de Infraestrutura, mas não comentou sobre as acusações de desvio de recursos públicos.
Situação atual do investigado
José Diercilei encontra-se atualmente detido no Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (Iapen) e segue à disposição da Justiça. A operação continua em andamento, com investigações sobre o envolvimento de outros grupos políticos com o crime organizado no estado.
A Operação Lâmina de Prata representa um duro golpe na estrutura que une política e crime organizado no Amapá, revelando como facções criminosas se infiltram no poder público para fortalecer suas atividades ilícitas.