Guerra territorial no Rio: 684 mortes e lucro de facções além das drogas
Facções no RJ: 684 mortes em guerra por território

Uma pergunta retórica feita por um líder do Comando Vermelho resume a lógica da disputa entre facções no Rio de Janeiro: "É claro que vamos lucrar. Quem faz uma guerra para não lucrar?". A declaração, dada em agosto através de advogados, veio após nova tentativa de invasão a um bairro da zona oeste controlado por grupo rival.

Negócio lucrativo construído sobre o medo

Nos últimos 40 anos, um lucrativo negócio foi construído sob ambiente de temor nas comunidades cariocas. Moradores de condomínios próximos a favelas são obrigados a pagar aproximadamente R$ 2.000 mensais como taxa de segurança. Quem se recusa a contribuir torna-se alvo de assaltos e represálias.

O ápice recente desta guerra ocorreu em 28 de outubro, com 121 mortos em uma única ação comemorada pela gestão Cláudio Castro (PL). Entre 2023 e 2024, o conflito por território deixou 684 mortes nas favelas do Rio, incluindo crianças.

Atuação além das drogas

Segundo a Polícia Civil, apenas 15% do faturamento dessas organizações vem do comércio ilegal de entorpecentes. O promotor Fábio Correa, coordenador do grupo que apura crime organizado no Rio, afirma que não há mais diferença entre miliciano e traficante na exploração do território.

"Tráfico e milícia hoje realizam as mesmas atividades, oprimem as comunidades das mesmas formas", declarou o promotor.

Práticas antes associadas às milícias - como extorsão a comerciantes e monopólio da venda de gás, água, internet e transporte alternativo - são hoje também adotadas por facções de tráfico para aumentar lucros e financiar disputas por mais território.

Controle total sobre comunidades

O domínio criminoso se estende a diversos aspectos da vida comunitária:

  • Na Rocinha, mototaxistas pagam R$ 150 mensais para circular sem concorrência
  • Botijão de gás de 13 kg chega a R$ 180 dentro das comunidades
  • Em Madureira, síndico discutiu pagamento de R$ 1.800 mensais a traficantes
  • Em Duque de Caxias, criminosos cortaram água de 2.000 pessoas exigindo R$ 200 por apartamento

Uma moradora não identificada relatou: "Quando fiz uma laje para vender churrasco, tinha que pagar R$ 350 por mês. Quando vendi a casa, quiseram 20% do valor da venda".

Expansão para novos crimes

Os grupos ampliaram atividades para roubo e clonagem de carros. André Neves, diretor-geral das delegacias especializadas, revelou que "somente em um final de semana, no Rio, já tivemos 800 carros roubados".

O carro utilizado para retirar 63 corpos da Vacaria, na Penha, tinha placa clonada de um veículo de São Paulo. Motoristas de aplicativo relatam que, para circular em certas áreas, devem pagar taxas e usar adesivos identificadores.

Na Ilha do Governador, onde vivem mais de 200 mil pessoas, o tráfico desenvolveu até mesmo um aplicativo próprio para circular no morro do Dendê. Em 2024, um mototaxista desapareceu após desobedecer ordens da facção - segundo relatos, seu corpo teria sido jogado na Baía de Guanabara.

As concessionárias também sofrem com o controle territorial. A Light registrou 53 transformadores atingidos por projéteis entre janeiro e outubro de 2025, enquanto a Conexis alerta sobre restrições que ameaçam a integridade de suas equipes.