O Brasil enfrenta uma epidemia de violência organizada que se espalha rapidamente pelo Nordeste. Segundo dados do Ministério da Justiça, 88 facções criminosas atuam em todos os estados, com destaque para duas organizações de abrangência nacional e internacional: o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).
Originárias do sistema prisional brasileiro e do eixo Rio-São Paulo, essas organizações iniciaram um processo de migração para outras regiões há pelo menos uma década. Hoje, colocam áreas inteiras de Pernambuco, Bahia e Ceará sob o domínio do medo.
O terror quotidiano nas comunidades
Nos últimos tempos, proliferaram os registros de confrontos armados por domínio territorial em estados nordestinos. A população local tornou-se refém dessas guerras, muitas vezes ficando na linha de tiro.
Em Recife e Olinda, a disputa pelos morros é particularmente intensa. O Alto José do Pinho, na capital pernambucana, é comandado pelo Comando Vermelho, que segue as regras do criminoso conhecido como Buiu - recentemente preso na megaoperação dos complexos do Alemão e da Penha.
Os moradores enfrentam tiroteios quase diários que se intensificam nos finais de semana. Em setembro, um toque de recolher diário a partir das 22h foi imposto através de mensagens no WhatsApp, com a justificativa de proteger a população.
"A partir de hoje haverá guerra de tráfico e muita bala. Evitem deixar crianças na rua, portas abertas e ficar na rua sem necessidade. Orem e se protejam", dizia um trecho das mensagens.
Leis paralelas e domínio territorial
A situação em Salvador não é diferente. O domínio do CV em bairros pobres e comunidades da capital baiana consolida-se cada vez mais. O Complexo do Nordeste, Saramandaia, Engomadeira e outros territórios funcionam sob regras paralelas impostas pela facção.
No populoso bairro de Santa Cruz, na zona oeste, os residentes vivem sob vigilância constante. Uma empregada doméstica de 63 anos, que mora no local desde os oito anos de idade, relata: "Nós não temos autonomia. Existe uma 'lei' deles de que ninguém pode dar queixa na polícia. Porque eles não querem chamar a atenção das autoridades".
As proibições incluem assaltos, violência doméstica e até brigas dentro de casa. Qualquer problema deve ser resolvido diretamente com o "Comando", nunca com a polícia.
Cidades-fantasma e êxodo forçado
O Ceará apresenta situações ainda mais dramáticas. Em Uiraponga, distrito de Morada Nova, a aproximadamente 200 quilômetros de Fortaleza, pelo menos 2.000 moradores abandonaram a localidade desde julho devido a ameaças constantes.
A violência escalou tanto que a prefeitura reconheceu a "situação anormal e emergencial" através de decreto e disponibilizou um caminhão para quem quisesse deixar a área. Quatro meses depois, escolas, postos de saúde, igrejas e comércios permanecem fechados.
O fenômeno espalha-se pelo estado, emulando práticas do cangaço que assolou a região entre o final do século XIX e início do século XX. Em setembro, cerca de 30 famílias abandonaram suas casas num vilarejo em Pacatuba, na região metropolitana de Fortaleza.
A cobrança de taxas sob pena de morte também se tornou comum. Alexandre Roger Lopes, vendedor de espetinhos de 23 anos, foi assassinado a tiros por bandidos do CV em Itapajé porque se recusou a pagar o aumento do "imposto do crime" de 400 para 1.000 reais.
Resposta insuficiente das autoridades
Os governos estaduais, pressionados pela relevância crescente da questão e pela aproximação das eleições, afirmam investir em homens, viaturas, armamentos, inteligência e operações especiais. No entanto, o trabalho claramente não tem sido suficiente para controlar as facções nessas regiões.
Na semana passada, uma operação da Polícia Civil da Bahia resultou na morte de um suspeito e na prisão de outros 38 indivíduos ligados ao CV, além do cumprimento de dezenas de mandados de busca e apreensão. A ofensiva estendeu-se ao Ceará, demonstrando como os braços da facção estão conectados no Nordeste.
Enquanto isso, 28,5 milhões de brasileiros continuam reféns do crime organizado, vivendo uma rotina de medo que transforma comunidades inteiras em territórios sob leis paralelas, onde a presença do Estado se mostra insuficiente para garantir segurança e direitos básicos.