
O que você faria se encontrasse uma migalha no chão? Para Amit Soussana, a resposta foi imediata: comer. Sem pensar duas vezes. A fome era tanta que a dignidade virou artigo de luxo.
Durante 53 dias intermináveis — sim, contei cada um — essa advogada israelense de 40 anos viveu um pesadelo que desafia qualquer descrição. Sequestrada durante os ataques de 7 de outubro, ela testemunhou o que significa ter sua humanidade sistematicamente negada.
Um cotidiano de terror
Imagine acordar sem saber se vai ver o próximo pôr do sol. Os guardas circulavam constantemente, armados até os dentes, e o medo era nosso companheiro de cela. Literalmente.
A fome, essa sim, era a verdadeira tortura. Meu estômago doía tanto que às vezes eu preferia não sentir nada. Quando via uma migalha — Deus sabe de onde vinham — era como encontrar ouro. Não importava se estava no chão sujo, se tinha poeira ou o que fosse. Era comida. Ponto final.
Condições que desafiam a sanidade
O banheiro? Uma piada de mau gosto. Privacidade zero, é claro. E os guardas faziam questão de lembrar que éramos menos que humanos. A humilhação era calculada, metódica, quase científica na sua crueldade.
O que mais me marcou, honestamente, foi a solidão. Mesmo quando estávamos juntos, cada um vivia no seu inferno particular. O silêncio podia ser mais assustador que os gritos.
A liberdade que não traz alívio
Quando finalmente me soltaram, durante aquela trégua em novembro, pensei que tudo voltaria ao normal. Engano meu. Como voltar ao normal depois de algo assim?
Até hoje, acordo no meio da noite achando que ainda estou lá. Meu cérebro parece ter ficado para trás, em algum lugar daqueles túneis escuros. A liberdade veio, mas trouxe suas próprias correntes.
O depoimento de Amit — e de outros reféns — revela uma verdade inconveniente: nessas situações extremas, nossos instintos mais básicos assumem o controle. Comer migalhas do chão não é uma escolha, é sobrevivência pura.
E o pior? Saber que ainda há pessoas lá, vivendo esse mesmo pesadelo enquanto você lê essas palavras. Isso, talvez, seja a parte mais difícil de digerir.