O suposto agente de inteligência russo Sergey Vladimirovich Cherkasov está mais próximo de ser extraditado para a Rússia. Manifestações recentes da Justiça Federal e do Ministério Público Federal (MPF) indicam que não há mais pendências jurídicas que impeçam sua entrega. A decisão final, no entanto, cabe agora à Presidência da República, conforme determina a legislação brasileira para casos de extradição.
O caminho judicial para a extradição
Cherkasov está preso no Brasil desde abril de 2022, cumprindo pena de cinco anos por falsidade ideológica em uma penitenciária federal de Brasília. Investigado pelo FBI e pela Polícia Federal, ele é acusado de ser um oficial do Departamento Central de Inteligência russo (GRU) que usava uma identidade brasileira falsa, sob o nome de Victor Muller Ferreira, para atuar no exterior.
Documentos obtidos pela reportagem mostram que, nos últimos dois meses, órgãos da Justiça Federal em São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal se manifestaram, afirmando não haver mais "óbices" à extradição. Em 17 de novembro, o juiz Frederico Botelho de Barros Viana, da 15ª Vara Federal de Execução Penal do DF, determinou a entrega de Cherkasov ao governo russo, referendando uma ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2023.
A expectativa é que Cherkasov seja levado à Rússia em uma aeronave disponibilizada pelo governo russo, embora a data ainda não tenha sido formalizada. Uma fonte do governo brasileiro afirmou, em caráter reservado, que o caso ainda não teria chegado ao conhecimento do presidente.
Uma rede de "ilegais" com passaporte brasileiro
As investigações apontam que Cherkasov fazia parte de um grupo de elite da espionagem russa, conhecido como "ilegais". Esses agentes são enviados ainda jovens para viver em outros países como nativos, estabelecendo relacionamentos e coletando informações sob demanda de seus "controladores".
Segundo as autoridades, o russo chegou ao Brasil em 2010 e utilizou o país para construir uma cobertura sólida. Ele obteve documentos brasileiros como carteira de habilitação, título de eleitor e passaporte, que usou para se passar por estudante em universidades dos Estados Unidos e da Irlanda.
As investigações da PF não encontraram elementos de que Cherkasov praticou espionagem contra instituições brasileiras. A passagem pelo Brasil teria como objetivo principal criar um disfarce crível para atuar em outros países sem levantar suspeitas. As fragilidades no sistema de emissão de documentos, o histórico de não envolvimento em conflitos internacionais e a população miscigenada são apontados como motivos para a Rússia escolher o Brasil como base para esses disfarces.
Conflito internacional e operação de resgate
A trajetória de Cherkasov foi interrompida em abril de 2022, quando ele viajava para a Holanda para estagiar no Tribunal Penal Internacional, em Haia. Dois meses antes, a Rússia havia invadido a Ucrânia. A inteligência holandesa, em conjunto com o FBI e a PF, desvendou sua identidade falsa.
Desde sua prisão, o governo russo iniciou uma intensa operação diplomática para recuperá-lo. Em 2022, o consulado russo em São Paulo chegou a se oferecer para abrigá-lo, e a embaixada teria dado suporte logístico. O pedido formal de extradição alegou que Cherkasov era um traficante de drogas procurado na Rússia, versão que contradiz as acusações do FBI.
Os Estados Unidos também pediram sua extradição, em abril de 2023, acusando-o de atuar como agente estrangeiro sem autorização e de fraudes. No entanto, o pedido americano foi considerado improcedente porque o pedido russo já havia sido homologado pelo STF.
Cherkasov nega ser um espião. Sua defesa no Brasil foi procurada, mas não se pronunciou sobre os últimos desdobramentos.
Outros casos e o desmantelamento da rede
Cherkasov não estaria sozinho. Investigações internacionais indicam que ele fazia parte de uma rede que começou a ser desmantelada em 2022. Pelo menos nove pessoas foram identificadas como potenciais agentes russos usando identidades brasileiras falsas.
Em novembro de 2022, a polícia norueguesa prendeu Mikhail Mikushin, que usava o nome falso José de Assis Giammaria. Pouco depois, um homem identificado como Gerhard Daniel Campos desapareceu do Brasil; as autoridades acreditam que se tratava de outro espião, Artem Shmyrev. Um reportagem do The New York Times lista outros seis indivíduos que teriam usado documentos brasileiros em seus disfarces, incluindo um suposto empresário de joias em Brasília e uma modelo.
Apesar do uso do território nacional, as investigações indicam que o Brasil não era o alvo das atividades de espionagem, servindo apenas como palco para a construção de identidades alternativas robustas. O caso de Sergey Cherkasov, agora nas mãos do Planalto, ilustra um complexo jogo de inteligência internacional com ramificações em solo brasileiro.