3.537 km de vias ilegais avançam sobre áreas protegidas na BR-319
Vias ilegais avançam na Amazônia pela BR-319

Um levantamento inédito do Observatório BR-319 revela uma rede de 3.537 quilômetros de estradas ilegais que se espalham pela rodovia BR-319, no coração da Amazônia. Desse total, 2.240 km invadem unidades de conservação federais enquanto outros 1.297 km cruzam territórios indígenas, criando um corredor de destruição na floresta.

Estradas clandestinas como vetores de destruição

Os dados, consolidados em agosto de 2025 pelo estudo "Abertura de Ramais e Estradas Clandestinas como Vetores de Desmatamento no Interflúvio Madeira-Purus", mostram que essas vias abertas sem qualquer licenciamento ambiental estão diretamente associadas ao desmatamento, grilagem de terras e processos minerários ilegais.

O geógrafo Heitor Pinheiro, pesquisador do comitê de monitoramento do Observatório BR-319, não esconde a preocupação: "Essas vias ilegais têm relação direta com as áreas com maiores níveis de desmatamento", afirmou em entrevista à Agência Brasil. Ele cita como exemplo a Vila Realidade, em Humaitá (AM), onde a situação é particularmente crítica.

Testemunhas do avanço da destruição

Thiago Castelano, 28 anos, consultor ambiental do povo Parintintin e morador da Aldeia Canavial em Humaitá, vive na prática o que os números mostram. "Percebemos isso em nossa região presencialmente e também por sensoriamento remoto", relata o gerente de monitoramento territorial da Coiab.

Castelano testemunha que os ramais clandestinos viabilizam desmatamento, garimpo e extração de madeira ilegal em áreas que deveriam ser protegidas. Ele observa que o avanço se intensificou na última década e que a presença de tratores nas vias ilegais se tornou parte do cenário cotidiano.

Fronteira agrícola e mineração ampliam pressão

O estudo identificou uma concentração preocupante de ramais ao sul do município de Lábrea (AM), especialmente nas áreas próximas ao Acre e Rondônia. Esta região representa a expansão da fronteira agrícola na Amazônia, onde a pressão por novas áreas avança sobre a floresta.

Mas não é apenas o agronegócio que preocupa. Heitor Pinheiro alerta para o crescimento da atividade minerária: "Fora do agro, a gente tem uma pressão agora pela mineração. Eu arrisco que cerca de 80% de todos os ramais identificados estão sobrepostos a processos minerários". O estudo revela que aproximadamente 4.130 km dos ramais mapeados estão em áreas de interesse da exploração mineral.

Populações tradicionais sob ameaça

O impacto sobre as comunidades tradicionais é devastador. Existem pelo menos 79 povoados indígenas e 42 unidades de conservação ao longo da BR-319 que sofrem diretamente com o avanço das estradas ilegais.

Entre os territórios mais afetados estão a terra indígena Kaxarari, na região de Lábrea, e a Jacareúba-Katawixi, que abriga indígenas isolados. O território Tenharim Marmelos também aparece como uma das áreas mais prejudicadas pela abertura desses corredores ilegais na floresta.

Fiscalização e governança em xeque

Questionado sobre os dados alarmantes, o Ministério dos Transportes reconheceu que os desafios associados à BR-319 vão além de aspectos técnicos de engenharia ou ambientais. Em nota, a pasta afirmou que mantém "diálogo permanente com o Ministério do Meio Ambiente, Ibama, Incra e Funai" para enfrentar os impactos socioambientais da região.

A Funai, por sua vez, destacou que desde 2015 promove o monitoramento remoto das terras indígenas na Amazônia Legal, mas admitiu que a metodologia atual "ainda não permite delimitar o motivo da ocorrência, por exemplo, a criação de estradas clandestinas". Mudanças no sistema estão em planejamento para melhorar a detecção específica dessas vias ilegais.

Enquanto isso, os 3.537 km de estradas clandestinas continuam avançando, criando corredores de penetração no interior da floresta e ameaçando um dos biomas mais importantes do planeta.