
Não é de hoje que o barulho das máquinas afugenta os botos-cor-de-rosa perto de Juruti, no oeste do Pará. Mas o que era um sussurro distante virou um grito de desespero. "Antes a gente pescava em uma hora o que hoje não pega em três dias", conta seu Raimundo, 62 anos, enquanto conserta a rede de pesca com movimentos precisos que só quem nasceu às margens do Amazonas conhece.
O problema tem nome e sobrenome: dragagem do leito do rio. Oficialmente, as obras servem para "melhorar a navegabilidade". Na prática, virou um pesadelo ambiental que ninguém da Secretaria de Meio Ambiente parece disposto a encarar. "Quando a draga chegou, os peixes sumiram feito mágica", dispara Dona Maria, dona de um pequeno restaurante ribeirinho.
O que está em jogo?
- Turvação das águas que dura semanas (e não dias como prometeram)
- Sumiço de espécies de peixes que sustentam gerações
- Barulho ensurdecedor que espanta a fauna 24 horas por dia
- E o pior: ninguém consultou as comunidades tradicionais
Curioso como sempre aparece um "estudo de impacto ambiental" que justifica tudo, não? Só que dessa vez os ribeirinhos decidiram não engolir a seco. Juntaram assinaturas, gravaram vídeos com o celular (mesmo com internet capenga) e foram atrás do Ministério Público.
"Eles dizem que é progresso. Pra nós é só destruição disfarçada de desenvolvimento" — desabafa um líder comunitário que prefere não se identificar.
Do outro lado
A empresa responsável pelas obras — aquela que você já deve imaginar o nome — garante que "todos os protocolos estão sendo seguidos". Mas será que protocolo escrito em escritório com ar-condicionado entende de várzea, de maré, do pulsar do rio?
Enquanto isso, no barracão da associação comunitária, o debate esquenta junto com o calor de 38°C. Alguns falam em processar. Outros em protestos mais incisivos. A maioria só quer poder continuar vivendo como sempre viveu: em harmonia com o rio que é avô, pai e filho de todos ali.
Uma coisa é certa: o Amazonas não é só uma hidrovia. É memória, é geladeira, é estrada, é farmácia. E parece que só quem depende dele pra viver é que lembra disso.