
Parece que a história decidiu dar uma volta assustadoramente familiar pela Região Metropolitana de São Paulo. Os números que saíram nesta quarta-feira (20) são, para ser direto, um soco no estômago de qualquer paulista que tenha vivido o pesadelo de 2015. Os principais sistemas de abastecimento estão minguando a olhos vistos, mergulhando para patamares que não víamos há exatamente uma década.
O colossal Sistema Cantareira – aquele mesmo que é praticamente o coração que bombeia água para milhões – está definhando. Operando com míseros 34,7% de sua capacidade total. É como ver um gigante adormecido, cada vez mais fraco. Para piorar, o Alto Tietê segue o mesmo caminho sinistro, com apenas 36,3%. A sensação é de déjà vu, mas com um gosto ainda mais amargo.
Não é exagero. A Sabesp, em seus comunicados técnicos cheios de gráficos e previsões, tenta passar uma serenidade que simplesmente não existe no dia a dia das pessoas. Quem mora nas periferias já sente na pele – ou melhor, na torneira seca – o que esses porcentuais significam na prática. São cortes não oficializados, pressão que some sem aviso, aquele fiozinho de água que mal enche um balde. O rodízio velado já é uma realidade cruel para muitos.
Um Verão que Promete Calor e Preocupação
E olha, o timing não poderia ser pior. Estamos às portas da primavera, com o verão à espreita – tradicionalmente uma época de chuvas, sim, mas também de consumo nas alturas. A equação não fecha. Como replenir reservas que estão no vermelho com uma demanda que só aumenta? Os meteorologistas já franzem a testa, prevendo um período de estiagem mais intensa do que o normal. Estamos numa sinuca de bico hidrológica.
O fantasma de 2015 assombra não só a memória, mas também os gabinetes dos gestores públicos. Naquele ano, a crise virou um drama nacional, com carros-pipa virando parte da paisagem e aquele desconforto diário de não saber se a água chegaria. A pergunta que não quer calar é: será que aprendemos mesmo a lição? Ou estamos fadados a repetir os mesmos erros, só que com um sistema ainda mais pressionado pelo crescimento desordenado?
Além dos Números: O Impacto Real nas Pessoas
Para além das planilhas e dos boletins técnicos, existe uma outra face dessa crise. São as filas intermináveis para encher um tambor, o comércio local sofrendo com a falta d'água, o stress de famílias inteiras tentando se organizar com gotas. A economia informal de bombas d'água e baldes vive um boom triste. É a lei do mais forte, ou do que tem um poço artesiano no quintal.
Especialistas em recursos hídricos que acompanham a região há décadas soltam o verbo: falta gestão, falta investimento pesado em infraestrutura, e sobra uma dependência perigosa de um regime de chuvas cada vez mais imprevisível. A solução passa, inevitavelmente, por modernizar a rede combalida de distribuição – que perde água aos borbotões em vazamentos crônicos – e diversificar as fontes de captação. Mas isso é projeto de anos, e a sede é agora.
Enquanto isso, o paulistano fica naquele limbo angustiante, entre a esperança de um temporal salvador e a realidade seca da torneira. Torcer para que a história, desta vez, não se repita como tragédia.