Um levantamento histórico realizado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) revelou a presença de 97 comunidades tradicionais vivendo dentro de unidades de conservação no estado do Rio de Janeiro. O mapeamento inédito traz visibilidade à rica diversidade cultural que habita essas áreas protegidas.
Diversidade cultural nas unidades de conservação
O estudo identificou diferentes grupos tradicionais distribuídos por diversas regiões do estado. Entre os territórios que se destacam pela forte presença dessas comunidades estão o Parque Estadual do Desengano, no Norte Fluminense, e a Área de Proteção Ambiental Estadual Pau Brasil, na Região dos Lagos.
A pesquisa contou com uma equipe multidisciplinar formada por biólogos, geógrafos, engenheiros florestais e turismólogos. O trabalho reuniu quilombolas, caiçaras, pescadores artesanais, salineiros, sitiantes e indígenas, mostrando o mosaico cultural presente nessas áreas.
Quilombolas e outras comunidades mapeadas
Entre as 12 comunidades quilombolas identificadas no estado, duas estão localizadas nas regiões de maior destaque: as Quilombolas do Parque Estadual do Desengano, que mantêm práticas agrícolas e culturais no Norte Fluminense, e as comunidades quilombolas da APA Estadual Pau Brasil, que preservam tradições e desenvolvem atividades de subsistência e turismo de base comunitária.
Outros grupos quilombolas foram identificados nos parques estaduais da Pedra Branca, Serra da Concórdia e Cunhambebe, ampliando o mapa da presença quilombola nas unidades de conservação fluminenses.
Presença de diversos grupos tradicionais
Além dos quilombolas, o levantamento registrou:
- 63 comunidades caiçaras em áreas como Ilha Grande, Paraty e Angra dos Reis
- 9 comunidades de pescadores artesanais em unidades como Lagoa do Açu, Tiririca, Maricá, Massambaba, Pau Brasil, Itaipu e Guaratiba
- 2 comunidades indígenas no Parque Estadual Cunhambebe e na Reserva Ecológica da Juatinga
- 1 comunidade salineira na APA Massambaba
- 10 comunidades de sitiantes em unidades como Pedra Branca, Pedra Selada, Serra da Estrela, Alto Iguaçu e Gericinó-Mendanha
Saberes tradicionais e preservação ambiental
As comunidades mapeadas mantêm uma relação histórica e sustentável com os recursos naturais, extraindo apenas o necessário para sua subsistência. Os pescadores artesanais, por exemplo, evitam capturar espécies em período de reprodução, enquanto os salineiros preservam métodos seculares de produção.
Um exemplo notável é a Salina Glória, em Araruama, uma das últimas do país a manter o processo totalmente artesanal, demonstrando como os saberes tradicionais contribuem para a preservação de técnicas históricas.
Segundo a bióloga Carolina Marques, coordenadora da pesquisa, o levantamento ajuda a compreender como essas comunidades ocupam e utilizam as unidades de conservação, além de identificar quais ações são necessárias para garantir a preservação de seus costumes.
Políticas públicas e reconhecimento
O secretário estadual do Ambiente e Sustentabilidade, Bernardo Rossi, destacou a importância do mapeamento: "Permite enxergar, de forma inédita, a diversidade e a força cultural das comunidades tradicionais. Ao entender melhor seus modos de vida, conseguimos aprimorar nossas ações e valorizar saberes que atravessam gerações".
O Inea já capacitou 216 condutores de visitantes de comunidades tradicionais e, em 2025, criou o Núcleo de Povos e Comunidades Tradicionais, que passou a coordenar ações de mapeamento, diálogo e reconhecimento desses territórios.
Estefanie Rodrigues, chefe do núcleo e remanescente do Quilombo Boa Esperança, em Areal, enfatizou: "Esses territórios são parte viva das áreas protegidas. Muitas comunidades estão nesses locais antes mesmo da criação das unidades. A escuta ativa é essencial".
O estudo representa um marco no reconhecimento oficial dessas comunidades e abre caminho para políticas públicas que possam melhorar a qualidade de vida desses povos enquanto garantem a preservação de seus modos de vida ancestrais.