Uma descoberta científica inédita amplia o conhecimento sobre a biodiversidade do semiárido brasileiro. Pesquisadores do Centro de Conservação e Manejo de Fauna da Caatinga (Cemafauna) anunciaram, em 5 de dezembro, a identificação de uma nova espécie de joaninha herbívora, batizada de Mada gregaria.
Uma joaninha diferente no coração das dunas
O estudo, publicado no periódico internacional Annales de la Société entomologique de France, confirma que esta é a primeira espécie do gênero Mada com ocorrência registrada no Domínio Caatinga. O inseto foi localizado em um ambiente peculiar e de difícil acesso: as Dunas do São Francisco, nos municípios baianos de Casa Nova e Pilão Arcado.
Segundo a Dra. Paula Batista dos Santos, bióloga e pesquisadora especialista em entomologia, a descoberta em dunas interiores era um desafio. "Esses locais são tradicionalmente pouco amostrados", explica. A aparência do inseto também foge do comum: ele possui coloração uniforme amarela/castanha, sem as pintas características que popularizam as joaninhas.
Comportamento único e planta hospedeira tóxica
A pesquisa, que contou com a colaboração do professor Benoit Jean Bernard Jahyny e do professor Daniel Pifano, do Herbário de Referência do Sertão Nordestino, revelou aspectos surpreendentes da biologia da nova espécie. Diferente de outras joaninhas de sua tribo, a Mada gregaria se alimenta exclusivamente da planta Strychnos rubiginosa, da família Loganiaceae.
"Este vínculo é inédito e muito relevante, pois essa planta possui alcaloides tóxicos", destaca Paula. A descoberta indica que o inseto desenvolveu adaptações fisiológicas específicas para lidar com as defesas químicas de sua hospedeira, expandindo o espectro de plantas conhecidas para o grupo e sugerindo uma notável flexibilidade evolutiva.
Além da dieta especializada, os cientistas observaram um comportamento de agregação marcante. Os adultos permanecem agrupados por até três meses, mesmo na ausência de alimento. "Viver em grupo oferece benefícios como maior segurança contra predadores e eficiência na busca por alimentos", comenta a pesquisadora. Esse comportamento é interpretado como uma estratégia de dormência para enfrentar a escassez de recursos típica de certos períodos na Caatinga.
Significado da descoberta para a ciência e a conservação
A descoberta da Mada gregaria desafia a visão de baixa diversidade funcional no bioma Caatinga. "Encontrar uma espécie do gênero Mada pela primeira vez aqui mostra que herbívoros especializados também ocupam ecossistemas áridos brasileiros", afirma Paula, destacando a existência de nichos ecológicos subestimados.
É importante diferenciar essa joaninha das espécies predadoras, mais conhecidas do público. Enquanto as predadoras atuam no controle biológico de pragas, as herbívoras, como a Mada gregaria, são consumidoras primárias, integrando diretamente as redes alimentares da vegetação nativa. Seu aparelho bucal e seu comportamento são adaptados para acompanhar a sazonalidade da planta hospedeira.
Com esta nova espécie, o Brasil consolida seu registro de ocorrências do gênero Mada, que agora soma 26 espécies válidas no país. A descoberta reforça a importância contínua da pesquisa científica de campo para desvendar os segredos da biodiversidade brasileira e fundamentar ações de conservação em biomas únicos como a Caatinga.