Há 60 anos, o RS parou: neve histórica caiu por 20 horas seguidas e transformou o estado em um cenário de filme
Neve histórica no RS: 20h de queda há 60 anos

Imagine acordar e encontrar seu mundo transformado num cenário completamente alvo, silencioso—e irreconhecível. Foi exatamente isso que aconteceu com milhares de gaúchos numa madrugada de agosto, mas não qualquer agosto: estamos falando de 1965, há exatamente seis décadas.

O fenômeno começou discreto, quase como uma geada mais insistente. Mas não parou. Horas se passaram, e os flocos—leves, persistentes—continuaram caindo. Vinte horas seguidas, para ser exacto. Sim, vinte. O que começou como curiosidade virou espanto, e depois história.

O dia em que o sul virou norte

Não era apenas uma “queda de neve” daquelas que o gaúcho mais velho comenta no bar. Era algo digno de registo cinematográfico—e de facto, as imagens da época mostram ruas cobertas, carros parcialmente enterrados, e crianças (e adultos, vamos ser honestos) com um brilho nos olhos que só o improvável consegue provocar.

O que pouca gente lembra? O caos disfarçado de beleza. Estradas bloqueadas, trânsito parado, comércio fechado. A neve acumulou mais de 30 centímetros em regiões como São José dos Ausentes e Vacaria—locais que, mesmo acostumados ao frio, não estavam minimamente preparados para aquele silentioso apocalipse invernal.

“Nunca vi nada igual” – o espelho de uma geração

Os relatos da época são cheios de um assombro quase poético. “Parecia algodão, mas frio—e não parava de cair”, contou um agricultor de Bom Jesus, que na época tinha 22 anos. Outros lembraram do silêncio. “O mundo ficou mudo”, disse uma moradora de Cambará do Sul. “Só se ouvia o vento, e o nosso próprio espanto.”

E claro, teve quem encarasse a situação com aquele humor gaúcho de sempre: “Lembrei do cobertor, esqueci da estrada”. Riram à custa própria—e depois se viram presos em casa por dois dias.

Por que aquele dia foi tão único?

Meteorologistas explicam que foi um encontro raro—quase uma combinação perfeita de fatores. Uma massa de ar polar fortíssima, humidade vinda da Amazônia—sim, da Amazônia—e um sistema de baixa pressão que resolveu estacionar em cima do estado como quem não pensa em ir embora.

Foi uma daquelas ocasiões em que a natureza decide lembrar quem manda—e de quebra presentear com um espetáculo de arrepiar (literalmente).

E poderia acontecer de novo?

Difícil. As mudanças climáticas alteraram padrões, o aquecimento global tornou episódios assim ainda mais raros. Mas não impossíveis—só… improváveis. Quem viveu garante: foi único. Quem não viveu, duvida—até ver as fotos.

E as fotos, ah, essas ficaram. Em preto e branco, é verdade, mas com uma força narrativa que cor rivaliza com qualquer Instagram da vida. Mostram não apenas a neve, mas o espanto humano diante do incomum. Rosto s congelados no tempo, sorrisos desprevenidos, e a paisagem gaúcha—sempre tão familiar—transformada em algo quase europeu, ou canadense.

Uma lição? Talvez. De que o ordinário pode, de repente, virar extraordinário. E que às vezes—só às vezes—o frio pode surpreender mais que o calor.