
Era uma tarde chuvosa de maio quando Dona Marlene saiu de casa pela última vez. Ninguém imaginaria que aquela seria a última vez que a vizinhança a veria. Agora, três meses depois, a Defesa Civil do Rio Grande do Sul confirma o que muitos já temiam: ela se tornou a 185ª vítima das enchentes que devastaram o estado.
O caso, que parecia mais um desaparecimento comum, ganhou contornos trágicos quando os bombeiros encontraram documentos pessoais da moradora de Cruzeiro do Sul entre os escombros de uma casa arrastada pela correnteza. "É como encontrar uma agulha no palheiro", confessou um dos voluntários, exausto após semanas de buscas.
Números que doem
O relatório oficial traz dados que impressionam:
- 185 mortes confirmadas
- Mais de 500 desaparecidos ainda não localizados
- 78 municípios afetados
- Quase 50 mil desabrigados
E enquanto os números frios da burocracia seguem sendo atualizados, famílias inteiras continuam vivendo em abrigos temporários - muitos sem sequer ter um corpo para enterrar. "A gente fica nesse limbo", desabafa uma vizinha da vítima, enquanto arruma doações num galpão improvisado.
O que resta
Na rua onde Marlene morava, o cenário é de destruição que desafia a descrição. Casas meio submersas, móveis empilhados como brinquedos de criança, e um silêncio pesado que só é quebrado pelo barulho de máquinas removendo entulho. "Até o cheiro mudou", comenta um morador mais velho, esfregando os olhos cansados.
Psicólogos que atendem na região falam em "luto coletivo" - aquela dor difusa que não cabe em estatísticas. Nas paredes dos abrigos, fotos de desaparecidos formam um mosaico triste de histórias interrompidas. E a pergunta que ninguém sabe responder: quando a vida voltará ao normal?
Enquanto isso, as equipes de resgate seguem trabalhando. Entre um café requentado e outro, eles sabem que cada objeto pessoal encontrado pode ser a peça que faltava no quebra-cabeça de alguma família. E assim vai a rotina na região mais castigada pelas águas - um dia de cada vez, uma esperança de cada vez.