Um estudo recente da empresa de análise de dados Authoritas revelou que o sistema de buscas com inteligência artificial do Google está causando uma redução significativa no tráfego para sites de notícias brasileiros. A pesquisa aponta uma queda mínima de 20,6% no acesso aos veículos jornalísticos devido ao fenômeno conhecido como "zero clique".
O que é o problema do "zero clique"?
O mecanismo tradicional do Google apresenta uma lista de links quando um usuário faz uma pesquisa. Normalmente, as pessoas clicam nesses resultados e são direcionadas para os sites originais, gerando tráfego e receita para os veículos de notícias. Porém, com o AI Overviews (anteriormente chamado de Modo IA), a plataforma passou a exibir respostas completas geradas por inteligência artificial diretamente na página de resultados.
Muitos usuários se satisfazem com essas respostas prontas e não clicam mais nos links dos sites originais. Esse comportamento é chamado de "zero clique" e tem impactado financeiramente os veículos de comunicação que dependem tanto de anúncios quanto de assinaturas para manter suas operações.
Consequências para o jornalismo brasileiro
O estudo foi apresentado ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em 13 de novembro por organizações como Foxglove, Artigo 19, Idec e o Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio. O documento serve como subsídio para um inquérito que investiga se o Google abusou de sua posição dominante - 90% do mercado de buscas - para se beneficiar de conteúdo jornalístico sem remunerar adequadamente os veículos.
Segundo a pesquisa, quando o AI Overviews aparece em uma busca, os sites que anteriormente ocupavam a primeira posição podem perder 58,3% dos visitantes. Anteriormente, o primeiro resultado tinha uma taxa de clique de 21,4%, que cai para apenas 8,93% com a presença do resumo de IA.
Treinamento de IA com conteúdo jornalístico
O estudo afirma que os sistemas de inteligência artificial do Google foram treinados usando dados extraídos de veículos de notícias sem permissão ou remuneração. Além disso, os resumos exibidos são gerados a partir da extração de conteúdo desses mesmos sites, novamente sem qualquer compensação financeira.
Stella Caram, diretora jurídica da Foxglove, alerta que a situação tende a piorar: "Na medida em que a implementação do Google AI Overviews avança, cada vez mais resultados vão aparecer nesse modo, empurrando mais para baixo da página os links de veículos de notícias".
Atualmente, as respostas com IA aparecem em 35,3% das buscas relacionadas a notícias e assuntos atuais no Brasil, segundo a Authoritas.
Posicionamento do Google e alternativas
Quando questionada, a assessoria do Google optou por não comentar o estudo específico, mas indicou uma publicação oficial no blog da empresa. No texto, uma executiva afirma que o volume total de cliques orgânicos permaneceu relativamente estável em comparação com o ano anterior, e que os chamados "cliques de qualidade" - aqueles em que o usuário passa mais tempo no site - aumentaram após a adoção da IA nas buscas.
O Google oferece aos sites a opção de solicitar que seus dados não sejam usados no treinamento dos modelos de IA. No entanto, essa escolha tem um custo significativo: os veículos que optarem por essa restrição podem ser excluídos completamente dos resultados de busca. O estudo descreve essa situação como uma "pena de morte" para os sites, considerando a dominância do Google no mercado.
Impacto no futuro do jornalismo
O documento apresentado ao Cade alerta para as consequências de longo prazo dessa redução no tráfego: "Uma redução média de 20,6% no tráfego tem impacto financeiro severo em sites de veículos de notícias. Eles terão de fazer cortes e isso significa redações esvaziadas e menos jornalistas realizando o trabalho vital de documentar e investigar o mundo".
Essa situação afeta diretamente a diversidade de informações disponíveis para o público, limitando a exposição a diferentes pontos de vista e enfraquecendo o debate informado em uma sociedade já bastante polarizada.
O caso no Cade foi aberto originalmente em 2018 para investigar se o Google fazia "scraping" (raspagem) de conteúdo jornalístico, exibindo trechos de matérias sem direcionar os internautas aos sites dos veículos que as produziram - uma prática que antecede a incorporação da IA no sistema de buscas.