Paternidade Atípica: A Rotina Invisível de Quem Cria Filhos Autistas no ES
Paternidade Atípica: Os Desafios de Criar Autistas no ES

Não é sobre heroísmo. Nem sobre aquela romantização barata que a gente vê por aí. É sobre acordar às 3h17 da madrugada porque seu filho não dorme — e você também não. É sobre calcular cada decibel do mundo, cada textura de comida, cada olhar torto na fila do mercado.

Quem cria uma criança autista no Espírito Santo — ou em qualquer canto deste país — entende que a paternidade convencional foi pro espaço. A gente vira tradutor de um universo paralelo, um negociador de crises invisíveis, um arquiteto de rotinas que pra maioria soa como exagero.

A Solidão que Ninguém Conta

Teve uma vez, num parque aqui em Vitória, que meu pequeno — não vou dizer o nome, respeito a privacidade dele — começou a gritar. Não era birra. Era pânico. O barulho do carrossel, as cores vibrantes, o cheiro de algodão doce… Tudo junto virou uma agulha no sistema nervoso dele.

E os olhares? Ah, os olhares. Mistura de julgamento, pena e incômodo. Como se a gente estivesse cometendo um crime por existir em público.

— “Dá um tapinha nele que para” — já ouvi isso. Quase respondi, mas respirei fundo. Gastei minha energia explicando pra ele que tava tudo bem, que íamos embora, que eu entendia o overload sensorial.

Sistema versus Realidade

E aí vem o sistema. Ou a falta dele. Tentar uma vaga em terapia pelo SUS é tipo jogar na loteria sem comprar bilhete. Planos de saúde que tratam autismo como “frescura” e negam cobertura. Escolas que fingem inclusão mas não têm preparo — ou pior, não têm vontade.

Conheço pai que virou advogado, terapeuta, pedagogo e ativista da noite pro dia. Não por escolha, mas por instinto de sobrevivência. A gente aprende a brigar porque não tem opção.

As Pequenas Revoluções

Mas calma, não é só tragédia. Tem os dias de glória — que pra maioria parecem bobagem. Um contato visual prolongado. Uma palavra nova. Um abraço espontâneo (isso, pra quem tem hipersensibilidade tátil, é praticamente um milagre).

Essas pequenas vitórias valem mais que qualquer promoção no trabalho. São conquistas que ninguém vê, ninguém comemora, mas que ecoam pela casa inteira.

O Peso Invisível nos Ombros

A gente zomba daquela expressão “é pra vida toda”. Até cair a ficha que, no nosso caso, é literal. Enquanto outros pais planejam faculdade, a gente reza por autonomia pra usar o banheiro sozinho. Enquanto celebram formatura, a gente comemora uma refeição sem meltdown.

E o futuro? Assusta. Quem vai cuidar dele quando eu não puder mais? O mundo tá preparado pra acolher um adulto neurodivergente? Perguntas que ecoam no silêncio das madrugadas.

Mas seguimos. Porque não tem plano B. Porque o amor aqui é mais do que sentimento — é verbo, é ação, é insistência diária. E talvez, só talvez, a gente esteja construindo um mundo um pouquinho mais sensível — mesmo que seja um passo de cada vez.