Em uma reviravolta profissional e pessoal, o médico Fabrício Carrerette, de 59 anos, especialista em câncer de próstata, viu os papéis se inverterem completamente em 2024. Acostumado a diagnosticar e orientar pacientes, ele próprio recebeu o diagnóstico de um tumor agressivo que comprometia cerca de 75% da sua próstata. O caso, que começou como uma crise pessoal, transformou-se em um marco científico, culminando na publicação de um artigo em uma das revistas mais renomadas do mundo, a Frontiers in Oncology.
Da clínica para a maca: o diagnóstico que mudou uma vida
Fabrício Carrerette é um profissional da saúde desde 1988, com mais de três décadas dedicadas ao estudo do câncer de próstata. A medicina sempre foi uma vocação, influenciada por um interesse precoce em biologia e por um tio médico. No entanto, toda a sua experiência não o preparou para o momento em que, aos 59 anos, se viu na posição de paciente. O diagnóstico veio em um contexto dramático: ele recebeu a notícia enquanto acompanhava o pai, internado após um AVC, em um hospital de Itaperuna.
O médico logo estabeleceu uma conexão crucial entre sua condição e um episódio de saúde anterior. Exatamente dois anos antes, ele havia desenvolvido uma prostatite (inflamação na próstata) como consequência da Covid-19, uma sequela pouco conhecida da doença. Com seu conhecimento, Carrerette identificou que o quadro oncológico havia sido desencadeado por essa inflamação pós-Covid. Essa percepção aguçada, fruto de anos de estudo, seria a base para um futuro artigo científico.
O caminho do tratamento: inovação guiada pelo conhecimento
De volta ao Rio de Janeiro para iniciar o tratamento, Carrerette se deparou com uma decisão crucial. Sabedor dos limites das abordagens convencionais, ele optou por uma estratégia ousada. Em vez de uma cirurgia imediata, que poderia deixar células residuais e exigir terapias contínuas, ele escolheu um protocolo de neoadjuvância inovador. Este protocolo fazia parte de um estudo multicêntrico que ele próprio coordenava.
O tratamento envolvia o uso de uma droga hormonal com ação direta no DNA tumoral. "Operando esta pesquisa, eu vi os resultados. Pacientes que às vezes tinham um tumor pior do que o meu passavam a não ter tumor nenhum", relatou o médico, confiante na abordagem que ajudava a desenvolver. No entanto, o caminho não foi fácil. No meio da terapia, exames revelaram a perda de um gene crucial para o reparo do DNA, reduzindo drasticamente as chances de resposta ao tratamento para cerca de 3%.
Apesar do prognóstico desfavorável, uma PET-Ressonância realizada no Hospital Albert Einstein trouxe uma luz: o tumor havia reduzido em impressionantes 80%. Esse resultado o encorajou a prosseguir com a abordagem inédita. Concluída a fase de neoadjuvância, Carrerette foi finalmente submetido à cirurgia, e o tumor foi completamente removido.
Recuperação e legado: transformando experiência pessoal em ciência
Seis meses após a cirurgia, Fabrício Carrerette já havia recuperado os níveis normais de testosterona e todas as funções urinárias e sexuais. Com a saúde restabelecida, sua jornada assumiu um novo propósito. O caso pessoal foi minuciosamente documentado e se tornou um artigo científico, consagrando-o como o primeiro urologista a documentar o próprio caso dessa natureza em uma publicação de alto impacto.
Hoje, ele segue trabalhando ativamente para que a terapia inovadora, ainda em fase experimental, possa se tornar uma opção acessível para outros pacientes nos próximos anos. A experiência angustiante de trocar o jaleco pelo roupão de hospital resultou em um avanço científico potencial, mostrando como o conhecimento profundo da doença, aliado à coragem de inovar, pode abrir novos caminhos no combate ao câncer de próstata. A história de Carrerette é um poderoso testemunho de resiliência e um farol de esperança, provando que mesmo nas situações mais desafiadoras, a ciência e a determinação podem encontrar uma saída.