O mais alto tribunal dos Estados Unidos deu um passo crucial em um dos debates constitucionais mais acalorados do país. A Suprema Corte anunciou, nesta sexta-feira, 5 de dezembro de 2025, que aceitou revisar a disputa judicial sobre o decreto do presidente Donald Trump que busca limitar o direito à cidadania por nascimento em solo americano.
O decreto presidencial e a reação imediata
A polêmica ordem executiva foi uma das primeiras ações de Trump em seu retorno à Casa Branca. Assinada no dia 20 de janeiro de 2025, em sua primeira jornada de trabalho após a posse, a medida determinava o fim da cidadania automática para filhos de imigrantes indocumentados. No entanto, a iniciativa teve vida curta perante a Justiça.
Juízes federais em estados como Washington, Maryland e Massachusetts rapidamente bloquearam a implementação do decreto. Eles argumentaram que a proposta feriria claramente a 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, ratificada em 1868. A emenda estabelece, de forma textual, que "todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas à sua jurisdição são cidadãs dos Estados Unidos".
Um dos magistrados, o juiz federal distrital John C. Coughenour, de Seattle, foi taxativo ao classificar a ordem de Trump como "flagrantemente inconstitucional".
Os argumentos e o caminho até a Suprema Corte
A visão de Trump e de seus apoiadores conservadores desafia a interpretação jurídica vigente há mais de um século. Eles sustentam que a 14ª Emenda foi redigida com um propósito específico: garantir cidadania aos filhos de pessoas que haviam sido escravizadas após a Guerra Civil. Portanto, segundo esse entendimento, a cláusula não se estenderia a crianças nascidas de pais imigrantes sem documentação.
Em novembro de 2024, ainda como presidente eleito, Trump já sinalizava suas intenções. Em entrevista à NBC News, afirmou que pretendia "acabar com isso porque é ridículo", referindo-se ao direito à cidadania por nascimento.
Após as derrotas nas cortes inferiores, a Casa Branca recorreu à Suprema Corte. Curiosamente, o recurso não questiona diretamente se o decreto viola a Constituição. Em vez disso, foca no alcance do poder dos juízes distritais, argumentando que eles excederam sua autoridade ao emitir uma "liminar universal" que bloqueou a política em todo o país.
Em junho de 2025, a Suprema Corte já havia dado uma vitória processual a Trump. Por 6 votos a 3, os ministros restringiram o poder das cortes distritais de emitir tais liminares nacionais. Horas depois dessa decisão, a American Civil Liberties Union (ACLU) entrou com uma nova ação coletiva, defendendo a manutenção do precedente histórico.
O precedente histórico e o que esperar
O caso que serve como principal referência é o de Estados Unidos vs. Wong Kim Ark, de 1898. Na ocasião, a Suprema Corte decidiu que Wong, nascido em São Francisco de pais chineses que não eram cidadãos, tinha direito à cidadania americana. Essa decisão consolidou a interpretação do "jus soli" (direito do solo) na lei americana.
A ACLU defende que este precedente deve ser mantido. Em julho de 2025, o juiz Joseph N. Laplante, do Tribunal Distrital de New Hampshire, deu aval para que a ação da organização prosseguisse, pavimentando o caminho para o julgamento atual no mais alto tribunal.
A Suprema Corte ainda não marcou uma data para os argumentos orais, mas a expectativa é de que o caso seja analisado nos próximos meses. A projeção é que uma decisão final seja conhecida até o início de julho de 2026.
Este não é o único decreto polêmico de Trump sob escrutínio da Corte. Paralelamente, os ministros analisam outras ações do presidente, que incluem:
- Demissões de chefes de agências independentes.
- A tentativa de destituir um membro do Conselho da Reserva Federal.
- Regras que impedem atletas transgênero de praticar esportes femininos.
A revisão do decreto sobre cidadania por nascimento promete ser um dos julgamentos mais significativos do ano, com potencial para redefinir um princípio fundamental da nacionalidade americana e impactar diretamente milhares de famílias de imigrantes.