Em um dia histórico que mudou o mundo, 24 de fevereiro de 2022, Vladimir Putin não apenas ordenou a invasão em larga escala da Ucrânia, mas também convocou os principais líderes empresariais da Rússia para uma reunião no Kremlin. Esse encontro simbólico marcou o ponto final de uma transformação de décadas: os magnatas russos, outrora poderosos oligarcas, haviam se tornado figuras submissas ao poder estatal.
A Era de Ouro dos Oligarcas e seu Fim
O cenário era completamente diferente nos anos que se seguiram ao colapso da União Soviética. Um grupo seleto de russos acumulou fortunas colossais ao adquirir empresas estatais e explorar as brechas do capitalismo nascente. Essa riqueza recém-adquirida se traduziu em enorme influência política durante um período de turbulência. Boris Berezovsky, considerado o oligarca mais poderoso, chegou a afirmar que orquestrou a ascensão de Putin à presidência em 2000, um arrependimento que expressou publicamente anos depois, antes de ser encontrado morto em circunstâncias misteriosas no exílio, em 2013.
O destino de Berezovsky foi um prenúncio do que estava por vir. A verdadeira guinada ocorreu com a prisão do magnata do petróleo Mikhail Khodorkovsky, então homem mais rico da Rússia. Após criar uma organização pró-democracia em 2001, Khodorkovsky passou uma década na prisão e viu sua gigante Yukos ser nacionalizada. A mensagem do Kremlin era clara: desafiar o poder central teria consequências severas.
O Dilema da Guerra: Perdas Imediatas e Ganhos Futuros
A reunião convocada por Putin no primeiro dia da invasão foi descrita por um repórter presente como tendo bilionários "pálidos e privados de sono". Eles sabiam que suas fortunas estavam prestes a sofrer um grande baque. E de fato, as perdas iniciais foram brutais. Até abril de 2022, o número de bilionários russos na lista da Forbes caiu de 117 para 83, com uma perda coletiva de US$ 263 bilhões (cerca de R$ 1,4 trilhão).
No entanto, os anos seguintes revelaram uma realidade surpreendente. Os gastos massivos com a guerra impulsionaram o crescimento econômico russo para mais de 4% ao ano em 2023 e 2024. Em 2024, a Rússia registrou seu maior número histórico de bilionários: 140, com um patrimônio coletivo de US$ 580 bilhões, apenas US$ 3 bilhões abaixo do recorde pré-invasão. Segundo análise da Forbes, mais da metade desses bilionários desempenha algum papel no abastecimento militar ou se beneficia diretamente da economia de guerra.
O Jogo de Recompensas e Punições
O caso do banqueiro Oleg Tinkov ilustra com clareza o mecanismo de controle do Kremlin. No dia seguinte a criticar publicamente a guerra no Instagram, chamando-a de "loucura", seus executivos foram contatados. A mensagem era direta: o Tinkoff Bank, segundo maior do país na época, seria nacionalizado a menos que cortasse todos os laços com seu fundador. Em uma semana, o banco foi vendido a uma empresa ligada ao magnata Vladimir Potanin por, segundo Tinkov, apenas 3% do seu valor real. Tinkov perdeu quase US$ 9 bilhões e deixou a Rússia.
Por outro lado, a saída em massa de empresas estrangeiras após a invasão criou oportunidades lucrativas para os leais. Empresários próximos ao Kremlin puderam comprar ativos valiosos a preços baixos, criando, nas palavras da analista Alexandra Prokopenko, um novo "exército de leais influentes e ativos". Só em 2024, 11 novos bilionários surgiram na Rússia a partir dessas aquisições.
As sanções ocidentais, paradoxalmente, fortaleceram o controle de Putin sobre os ultra-ricos. Ao congelar ativos e impedir a movimentação de capitais para o Ocidente, as medidas eliminaram qualquer opção de fuga. Alexander Kolyandr, do Centro de Análise Política Europeia (CEPA), resume: "O Ocidente fez tudo ao seu alcance para garantir que os bilionários russos se unissem em torno da bandeira... Isso ajudou Putin a mobilizar os bilionários, seus ativos e seu dinheiro para apoiar a economia de guerra russa."
O resultado é um cenário onde a riqueza recorde convive com a impotência política. Os oligarcas, que um dia moldaram o destino da Rússia, hoje são apoiadores silenciosos, cujo futuro depende da continuação do confronto com o Ocidente e da manutenção do atual regime. A era dos oligarcas como atores políticos independentes chegou ao fim, substituída por uma classe de bilionários totalmente alinhada aos desígnios do Kremlin.