A ofensiva do governo norte-americano, liderado por Donald Trump, contra o que classifica como financiamento do regime de Nicolás Maduro por meio do narcotráfico, está sob escrutínio de especialistas. A estratégia, que visa pressionar a Venezuela, enfrenta questionamentos sobre sua real efetividade e acende um alerta para a estabilidade regional na América do Sul.
Limites do combate ao narcoterrorismo
Em análise ao programa Mercado, apresentado por Veruska Donato, o professor Ricardo Rocha, do Insper, argumenta que políticas de combate ao narcoterrorismo possuem um peso mais simbólico e político do que prático. A complexidade das redes criminosas globais, intensificada pela globalização pós-Guerra Fria, representa um obstáculo estrutural significativo.
Organizações criminosas da América Latina mantêm conexões com máfias internacionais, o que torna ações isoladas de pouco alcance. "Essas máfias são conectadas no mundo inteiro, não só na Venezuela", destacou Rocha. Dessa forma, a movimentação dos Estados Unidos funciona predominantemente como um recado político, sinalizando que Washington está atento à questão, mas sem apresentar uma solução concreta para desarticular o crime organizado transnacional.
Contexto político e geopolítico em transformação
Além da questão do narcotráfico, o especialista ressalta que a legitimidade do governo Maduro é contestada internacionalmente devido às últimas eleições na Venezuela. O processo foi marcado por forte assimetria de poder e ausência de garantias democráticas, ampliando a pressão externa sobre Caracas.
Esse cenário ajuda a explicar a escalada retórica e militar dos Estados Unidos, ainda que seus desdobramentos práticos permaneçam incertos. Rocha observa que, até recentemente, a América do Sul vivia um ambiente geopolítico relativamente estável, com conflitos fronteiriços e tensões militares fora do cotidiano regional, diferentemente de outras partes do mundo.
Esse quadro, no entanto, começa a mudar. O envio de tropas e equipamentos militares brasileiros para a região Norte é citado como um exemplo palpável da preocupação crescente dos países vizinhos com os possíveis desdobramentos do conflito envolvendo Venezuela e Estados Unidos.
Impactos econômicos e risco de escalada
O aumento da instabilidade geopolítica tem um custo econômico direto. Segundo o professor, a insegurança regional afasta investidores estrangeiros. Em um cenário global onde o hemisfério Norte concentra cerca de 65% do PIB mundial, países como o Brasil já enfrentam dificuldades para atrair capital externo. A elevação do risco político torna essa disputa por investimentos ainda mais desigual.
"Sem esses investimentos de fora, a economia brasileira não se movimenta", alertou Ricardo Rocha. Embora reconheça a pressão militar americana, o especialista pondera que uma escalada mais ampla do conflito seria prejudicial para todos os envolvidos.
Ele traça um paralelo histórico, afirmando que a América do Sul não pode se transformar em um novo Vietnã, sob o risco de aprofundar a instabilidade, a incerteza econômica e o isolamento internacional. Para Rocha, a ofensiva de Trump revela uma agenda pessoal de combate ao narcotráfico e ao narcoterrorismo, mas seus efeitos colaterais sobre a região podem ser duradouros e difíceis de controlar.
A análise foi originalmente apresentada em 16 de dezembro de 2025, destacando os limites e as amplas consequências de uma estratégia que, embora carregada de simbolismo político, gera ondas de incerteza que se espalham pela economia e pela segurança da América do Sul.