Chile: Segundo turno entre comunista e extrema direita reflete país dividido
Chile: segundo turno entre extremos políticos

Chile enfrenta escolha radical nas urnas

O Chile se encontra em uma encruzilhada histórica após o primeiro turno das eleições presidenciais realizadas no domingo, 17 de novembro de 2025. Os resultados revelaram um país profundamente dividido, com a candidata comunista Jeannette Jara obtendo 26% dos votos contra 24% do ultradireitista José Kast. A diferença de apenas dois pontos percentuais entre os dois extremos do espectro político reflete uma nação rachada e ávida por mudanças.

Frustração com governo Boric alimenta polarização

O presidente Gabriel Boric termina seu mandato com 60% de desaprovação, segundo pesquisas recentes. Sua dificuldade em implementar o programa da Frente Ampla, coalizão de esquerda que o elegeu, frustrou expectativas de profundas transformações sociais e econômicas. A falta de maioria no Congresso Nacional impediu que muitas promessas de campanha saíssem do papel.

O desemprego permanece em cerca de 9%, sem retornar aos níveis pré-pandemia, enquanto a sensação de insegurança se alastra pelo país. Embora o Chile continue sendo uma das nações mais seguras da América Latina, as taxas de homicídio triplicaram na última década, com gangues estrangeiras do crime organizado ganhando terreno em atividades como tráfico de drogas, sequestro e extorsão.

Quem são os candidatos do segundo turno

Jeannette Jara, impedida de concorrer à reeleição pela Constituição chilena, representa a continuidade do projeto de Boric. Filiada ao Partido Comunista desde a adolescência, foi líder estudantil e sindical antes de atuar como subsecretária da Previdência Social no governo de Michelle Bachelet e, posteriormente, como ministra do Trabalho na gestão Boric.

Entre suas principais propostas estão a criação de uma renda mínima, subsídios para empresas, modernização da polícia, construção de cinco novas prisões até 2033 e mobilização das Forças Armadas para proteção das fronteiras.

José Kast, que se inspira em Donald Trump e Javier Milei, iniciou sua carreira política como deputado do partido de direita União Democrata Independente (UDI). Após 15 anos, rompeu com a sigla para fundar o Partido Republicano em 2019. Esta é sua terceira disputa presidencial, tendo sido derrotado por Boric na eleição anterior.

Católico, pai de nove filhos e nostálgico da era Pinochet, Kast defende bandeiras contra o aborto e critica o que chama de "ditadura gay". Em sua campanha, promete criminalizar a imigração irregular, expulsar "todos" os indocumentados, construir valas e muros nas fronteiras e aumentar o crescimento anual do PIB para 4%.

Problemas estruturais e imigração

O Chile enfrenta desafios significativos em várias frentes. A imigração alcançou números recordes, com 337.000 estrangeiros indocumentados no país, a maioria venezuelanos fugindo do regime de Nicolás Maduro.

O governo Boric também sofreu dois reveses consecutivos em tentativas de aprovar uma nova Constituição. Primeiro, o texto da esquerda foi rejeitado por radicalidade e suspeitas de má condução dos delegados. Depois, a proposta da direita foi recusada por ser considerada ainda mais dura do que a da época de Augusto Pinochet, quando mais de 3 mil pessoas foram mortas ou desapareceram.

Como resultado, as normas constitucionais da ditadura seguem em vigor, mantendo um sistema que muitos chilenos consideram ultrapassado.

Cenário para o segundo turno

Embora Jeannette Jara tenha saído à frente no primeiro turno, pesquisas indicam que José Kast pode vencer a disputa final. Uma pesquisa da AtlasIntel, divulgada no final de outubro, mostrou que o candidato de extrema direita deve ser eleito com diferença de cinco pontos percentuais.

Os indecisos, estimados em cerca de 13%, serão decisivos para o resultado. No entanto, a tarefa de Jara será difícil: 54% dos entrevistados têm uma visão negativa sobre a candidata, contra apenas 40% que a veem com bons olhos.

Carlos Malamud, pesquisador do Real Instituto Elcano, alerta que "um segundo turno entre Kast e Jara intensifica a polarização entre a 'ameaça comunista' e os alertas de um retorno ao autoritarismo". Ele acrescenta que "independentemente do que aconteça nessas eleições, a governabilidade e as instituições democráticas estão em jogo".

O especialista destaca ainda o risco de paralisia institucional no Chile, onde a divisão entre os partidos deve levar a um legislativo fragmentado, dificultando ainda mais a governabilidade nos próximos anos.