O governo federal prepara o lançamento de um mecanismo financeiro inédito durante a COP30, que acontece em Belém. Batizado de Vítuke, que significa "nosso" na língua Terena, o fundo pretende mobilizar R$ 550 milhões em recursos privados para apoiar projetos conduzidos diretamente por povos indígenas.
Uma solução para política paralisada
A iniciativa surge como alternativa para destravar a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), criada por decreto em 2012 mas que nunca foi plenamente implementada devido à falta de orçamento estável e entraves na demarcação de novas áreas.
O Vítuke foi elaborado ao longo de meses em parceria entre o Ministério dos Povos Indígenas e o Movimento Indígena, incluindo a APIB, a COIAB e outras articulações regionais. O lançamento oficial está marcado para o dia 18 de novembro de 2025 durante a COP30.
Segundo a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que participou da COP30 no dia 12 de novembro, "a construção do mecanismo é mais um importante passo no reconhecimento dos povos indígenas como os maiores protetores da biodiversidade".
Impacto ambiental e social
Os cálculos apresentados pelo MPI indicam que o programa tem potencial para apoiar a proteção de 100 milhões de hectares e impactar 300 mil indígenas, quase metade da população registrada no Censo Indígena de 2022.
Estudos do MapBiomas, frequentemente citados pelo governo, reforçam a importância do protagonismo indígena na conservação ambiental. Entre 1991 e 2021, as Terras Indígenas perderam apenas 1,2% da vegetação nativa, enquanto as áreas privadas registraram perda de 19,9%.
Rosa Lemos de Sá, secretária-geral do Funbio (Fundo Brasileiro para a Biodiversidade), que ficará responsável pela gestão do fundo, destaca que "o mecanismo reconhece o protagonismo dos povos originários na conservação da biodiversidade e na mitigação das mudanças climáticas".
Seis eixos de atuação
Os recursos do Vítuke serão direcionados para seis frentes principais de atuação:
- Proteção territorial e dos recursos naturais
- Governança indígena
- Prevenção e restauração ambiental
- Uso sustentável e iniciativas produtivas
- Capacitação e intercâmbio de conhecimentos
- Infraestrutura de gestão nos territórios
Para as organizações indígenas, o desenho do Vítuke representa uma mudança significativa de abordagem. Em vez de programas verticais coordenados por Brasília, o fundo pretende operar com editais voltados a fundações, associações e organizações regionais, diminuindo a burocracia e garantindo acesso direto ao dinheiro pelas comunidades.
Teste político e operacional
O lançamento em Belém também funcionará como um teste importante para a capacidade do MPI de articular financiadores e para a habilidade do Funbio de gerir fluxos maiores de recursos com agilidade.
Se bem-sucedido, o mecanismo pode acelerar a consolidação da política e se tornar um novo pilar de financiamento ambiental no país. Se travar, reforçará a percepção de que o governo ainda tem dificuldade de transformar compromissos climáticos em capacidade operacional.
De qualquer forma, o Vítuke coloca a gestão indígena do território no centro das discussões da COP30 e adiciona ao evento uma cobrança por resultados mensuráveis em um dos temas mais sensíveis da política ambiental brasileira.