A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) deu um passo decisivo em um processo que promete redefinir a gestão de seu complexo de saúde. A reitoria da instituição publicou, no Diário Oficial do Estado de terça-feira (23), a aprovação do envio ao governo estadual do projeto para transformar a área da saúde da universidade em uma autarquia. A decisão foi tomada pelo Conselho Universitário (Consu) em uma sessão virtual realizada no dia 18 de dezembro, marcada por protestos, interrupções e acusações de falta de transparência.
Votação tumultuada e protestos
A reunião do Consu que culminou na aprovação foi interrompida duas vezes por manifestantes contrários à medida. A primeira paralisação ocorreu pela manhã, quando grupo contrário à autarquização da saúde adentrou a sala onde o conselho se reunia. Os participantes protestaram contra o que chamaram de portas fechadas para a comunidade e entoaram cantos contra a proposta, levando à interrupção da transmissão ao vivo.
A segunda interrupção aconteceu no fim da tarde, por volta das 16h10. De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU), a reitoria transferiu a reunião para o prédio da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp). O sindicato alegou que estudantes não conseguiam acessar o link para participação remota e que pedidos de suspensão não foram atendidos. "Por que o alto escalão estava todo numa sala reunido?... Os estudantes não foram ouvidos e os trabalhadores também não", questionou uma diretora do STU que preferiu não se identificar.
As diretrizes do projeto e as posições antagônicas
O projeto de autarquização da saúde na Unicamp estabelece cinco diretrizes principais. A primeira garante que o atendimento permanecerá 100% vinculado ao SUS, mantendo o caráter público, universal e gratuito. Outros pontos asseguram que a indicação dos administradores da nova entidade ficará a cargo de representantes da Unicamp, que não haverá redução do orçamento geral da universidade e que todos os direitos dos servidores serão preservados.
Apesar das garantias formais, o STU se posiciona veementemente contra. O sindicato considera as deliberações do Consu ilegítimas e critica a falta de debate interno. "Não reconhecemos as deliberações realizadas sem a participação dos conselheiros representantes dos funcionários e estudantes", resumiu um representante da entidade.
Em contrapartida, o reitor Paulo César Montagner defende a legalidade da reunião e descreve a autarquização como "essencial para o futuro" da Unicamp. "Nós não temos outra opção para financiamento do setor de saúde", afirmou. A reitoria também emitiu nota repudiando os "graves atos de violência" ocorridos durante as sessões, classificando-os como "afronta à autonomia universitária".
O que muda com a autarquização do HC-Unicamp?
De acordo com a proposta, a área da saúde deixaria de integrar diretamente a estrutura administrativa e orçamentária da Unicamp para se tornar uma autarquia denominada Hospital das Clínicas da Unicamp (HC-Unicamp). A nova entidade reuniria oito órgãos, incluindo o Hospital de Clínicas e o Hospital da Mulher (Caism), e seria vinculada à Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.
A previsão da universidade é que a autarquização seja aprovada institucional e legalmente no primeiro semestre de 2026. A Unicamp argumenta que, com a medida, cerca de 17% do seu orçamento, equivalente a R$ 1,1 bilhão, deixaria de ser destinado à saúde, sendo esses recursos redirecionados para expansão acadêmica, novos cursos e infraestrutura.
O cronograma estabelecido prevê a reorganização administrativa e financeira entre 2026 e 2027, com a expansão e consolidação do projeto ocorrendo de 2027 a 2036. Enquanto a administração vê no projeto uma solução financeira e de gestão, o STU alerta para a perda do controle administrativo e financeiro do complexo e demonstra preocupação com a manutenção dos empregos e da qualidade do atendimento de alta complexidade. O projeto de lei complementar ainda precisa ser enviado ao governador do estado, o que, segundo a reitoria, ocorrerá "logo", sem data específica divulgada.