Padre assume tutela de 26 crianças para evitar separação por deportação
Padre se torna tutor de 26 crianças contra deportação

Em um ato de extrema solidariedade e responsabilidade, o padre Vidal Rivas, da Igreja Episcopal de São Mateus em Hyattsville, Maryland, nos Estados Unidos, comprometeu-se legalmente a se tornar o tutor temporário de 26 crianças e adolescentes. A medida é um plano de contingência para o caso de seus pais, imigrantes sem documentação regular, serem detidos e deportados pelas autoridades americanas.

Uma decisão que muda uma família

O sacerdote, que é casado conforme a tradição anglicana, descreve a decisão como transformadora. "É uma responsabilidade muito grande, que mudaria completamente a vida da minha família", afirmou ele à BBC News Mundo. "Minha esposa e eu temos consciência disso, sabemos o que isso significa." Ele poderá, de um dia para o outro, precisar cuidar de um bebê de um ano ou de um adolescente de 17, garantindo alimentação, moradia e educação até a conclusão do ensino médio.

A ação do padre Rivas insere-se no contexto da promessa do presidente Donald Trump, iniciando seu segundo mandato em janeiro, de realizar "a maior deportação da história do país". Diante dessa ameaça, milhares de famílias com situação migratória mista buscam se preparar. Estima-se que existam mais de seis milhões de famílias nessa condição nos EUA, representando cerca de 5% do total, segundo o Pew Research Center.

O "plano de preparação familiar" em ação

Kristina Lovato, diretora do Centro de Imigração e Bem-Estar Infantil da Universidade da Califórnia em Berkeley, explica que esse preparo envolve "conversas incômodas e decisões dolorosas", mas facilita a resposta a uma emergência. Para famílias como a de Mimi (nome fictício), uma mãe solteira sem documentos de 40 anos, encontrar um tutor como o padre Rivas trouxe alívio. "Sei que é a melhor [decisão]", disse ela, aliviada por saber que sua filha de 16 anos, diagnosticada no espectro autista, não ficará "no limbo" ou sob custódia do governo.

O padre Rivas, que é imigrante de El Salvador, vê o medo diariamente em sua comunidade. Hyattsville, um subúrbio de Washington com mais de 40% de população latina, não está imune às batidas. "As pessoas têm muito medo, mas dizer isso é pouco. Na verdade, é terror", relata. Por isso, sua igreja agora realiza cultos com portas fechadas e vigias, além de incentivar os fiéis a formalizarem planos de tutela.

Como funciona a tutela de reserva

Em Maryland, as famílias estão utilizando um instrumento legal chamado "designação parental para o início da tutela de reserva". A advogada Cam Crockett, com 40 anos de experiência no estado, detalha que a lei, aprovada por unanimidade em maio de 2018, é uma ampliação de uma figura criada durante a epidemia de AIDS nos anos 1970.

Ela é ativada apenas em caso de emergência, como uma detenção migratória, e tem validade máxima de seis meses, sendo revogável pelos pais a qualquer momento. Os pais não perdem o pátrio poder, mas autorizam o tutor a tomar decisões específicas em seu nome, como matricular as crianças na escola, autorizar tratamentos médicos ou organizar viagens.

Contudo, a especialista alerta: "O que sugerimos é que se pense muito bem antes de escolher o potencial tutor, já que ele poderá precisar comparecer a um tribunal ou tomar um voo para outro país." Após 180 dias, é necessário buscar uma tutela permanente ou custódia por terceiros.

Leis variam conforme o estado

Sharon Balmer Cartagena, diretora do Projeto de Defesa da Infância do Conselho Público, enfatiza a importância de buscar assessoramento jurídico local, pois as leis mudam drasticamente entre os estados. Na Califórnia, por exemplo, não existe a tutela temporária de reserva como em Maryland. Lá, a tutela comum transfere a custódia legal e física completa da criança, e os pais precisam entrar com um pedido judicial para recuperá-la.

Para casos em que o objetivo é a reunificação familiar no país de origem após a deportação, Balmer Cartagena recomenda uma "declaração juramentada de autorização de cuidadores", um acordo mais simples que permite a terceiros tomar decisões escolares ou médicas. Ela também incentiva as famílias a pensarem de forma ampla sobre sua rede de apoio, que pode incluir professores ou empregadores.

Enquanto isso, organizações comunitárias por todo os EUA intensificam oficinas sobre "Conheça seus Direitos" e distribuem o "cartão vermelho" em 19 idiomas, resumindo os direitos constitucionais dos imigrantes. Patrulhas comunitárias monitoram batidas para garantir o cumprimento dos protocolos. Essas ações, no entanto, são criticadas por figuras do governo Trump, que as acusam de ajudar imigrantes a "desafiar" as autoridades.

Para a advogada de imigração Kate Lincoln-Goldfinch, do Texas, a conscientização cresceu. "Toda pessoa sem documentos precisa consultar sua situação com um advogado", destaca. Ela compara uma detenção a um incêndio, onde não há tempo para pensar. Preparar-se antecipadamente, reunindo documentos, chaves e informações financeiras em um local acessível a um tutor designado, é fundamental para proteger as crianças do caos e da separação traumática.