
Quem disse que o mar tem dono? Certamente não foram as 42 mulheres destemidas da Cooperativa de Pescadores da Barra de São João, em Cabo Frio. Elas não só desafiaram a maré machista que sempre dominou a pesca artesanal, como literalmente viraram o jogo — e hoje navegam em águas que eram consideradas território exclusivamente masculino.
O que começou como um sonho meio maluco — mulheres no comando de embarcações, redes e negócios — se transformou numa realidade que já movimenta números impressionantes: R$ 2,5 milhões em comercialização só no último ano. E olha que isso é só o começo.
Do Pequeno Cais ao Grande Negócio
Lembro de visitar a região anos atrás e ver elas praticamente escondidas, trabalhando na sombra enquanto os homens levavam todo o crédito. Hoje? A cena é completamente diferente. São elas quem negociam diretamente com restaurantes e mercados, estabelecendo preços justos e cortando intermediários que sempre sugavam boa parte do lucro.
"A gente cansou de ser coadjuvante na própria história", me contou uma das líderes, com aquela mistura de orgulho e cansaço no olhar que só quem batalhou muito consegue ter. "O mar é nosso tanto quanto deles, e estamos provando isso na prática."
Mais do que Peixe: Uma Rede de Solidariedade
O que mais me impressiona não são apenas os números — que são ótimos, claro — mas a teia de apoio que criaram. Enquanto algumas estão no mar, outras cuidam da administração, da comercialização, do controle de qualidade. Formaram uma verdadeira rede onde cada uma tem seu papel vital.
- Capacitação constante: Não basta pescar, tem que saber gerir
- União que fortalece: Juntas, conseguem melhores preços
- Inovação no processo: Do mar direto para o consumidor final
E o impacto vai muito além do econômico. Filhas, netas, sobrinhas — todas estão vendo que existem outras possibilidades. Que o azul do mar pode ser também cor de oportunidade, independente do gênero.
O Segredo do Sucesso? Colaboração, Não Competição
Num mundo onde todo mundo prega competição, elas escolheram outro caminho: a cooperação. Parece simples, mas é revolucionário. Dividem conhecimentos, compartilham técnicas, apoiam umas às outras nos dias ruins — que existem, como em qualquer trabalho.
"Tem dia que o mar está bravo, o peixe some, tudo parece dar errado", compartilha outra cooperada. "Mas aí lembramos que não estamos sozinhas. Essa força coletiva é nosso maior trunfo."
E os resultados falam por si: aumento de 30% na renda familiar das participantes, mais respeito dentro e fora de casa, e aquela sensação gostosa de estar escrevendo um novo capítulo — não só para elas, mas para todas as mulheres que virão.
Um Modelo que Pega Onda
O sucesso delas já está inspirando outras comunidades costeiras. Recebem visitas de mulheres de outros estados querendo entender como fizeram, como venceram a resistência inicial, como mantiveram a união quando as dificuldades apareceram.
E a resposta, descobri conversando com elas, é mais simples do que parece: persistência. Muita persistência. E a crença inabalável de que estavam no caminho certo, mesmo quando todos diziam o contrário.
No final das contas, essa história vai muito além do peixe, dos números, dos negócios. É sobre coragem, sobre transformação, sobre provar que alguns tabus foram feitos para serem quebrados. E elas quebraram — com rede, anzol e muita, muita determinação.
O mar, afinal, é grande demais para pertencer a apenas metade da humanidade.