O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, comandou nesta quarta-feira sua sétima reunião à frente da autoridade monetária em um cenário completamente diferente daquele que o levou ao cargo. Apenas um ano e meio após ser chamado de "menino de ouro" pelo presidente Lula, Galípolo adiou o início do ciclo de cortes da taxa Selic para 2026, mantendo os juros no patamar mais alto desde 2006.
O cenário atual da política monetária
O Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a taxa Selic em 15% ao ano pela terceira reunião consecutiva. No comunicado oficial, o BC advertiu que as incertezas do cenário econômico exigem uma política monetária em patamar "significativamente" contracionista por um período "bastante" prolongado.
O documento do Copom apresenta várias ressalvas sobre a economia brasileira. Por um lado, o crescimento da atividade segue apresentando moderação, mas o mercado de trabalho ainda mostra dinamismo. Da mesma forma, a inflação cheia e as medidas subjacentes apresentaram algum arrefecimento, mas mantiveram-se acima da meta estabelecida pelo Banco Central.
A reação do governo à decisão do BC
As declarações de membros do governo federal nos dias que antecederam e sucederam a reunião do Copom demonstram o desconforto do Planalto com a manutenção dos juros em patamares elevados.
O presidente Lula afirmou em 3 de novembro que "não abre mão" da busca por juros mais baixos, defendendo que inflação controlada e juros reduzidos significam crescimento e geração de emprego. Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, questionou a sustentabilidade de uma taxa de juros real de 10% e declarou que, se fosse diretor do BC, votaria pela queda dos juros.
A crítica mais contundente partiu da ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, que afirmou: "Galípolo deixou a desejar". Ela questionou a manutenção de uma política monetária tão restritiva em um cenário onde o Brasil apresenta crescimento, geração de emprego e inflação em trajetória de queda.
A estratégia por trás da decisão
Analisando o contexto mais amplo, porém, percebe-se que a relação do governo com Galípolo vai além das declarações públicas. Um mês atrás, o presidente do BC foi estrela no lançamento do novo modelo de crédito imobiliário, resultado de mudanças nas regras do Banco Central na liberação dos compulsórios bancários.
Há um fator crucial na estratégia de Galípolo: desde a gestão de Alexandre Tombini no governo Dilma Rousseff, a confiança do mercado em um banqueiro central do PT era extremamente baixa. Galípolo precisou se mostrar duas vezes mais rigoroso do que um presidente padrão do BC para conquistar credibilidade no mercado financeiro - e conseguiu.
Os resultados dessa estratégia já são visíveis em diversos indicadores econômicos: o dólar caiu 14% desde o início do ano, a inflação está em queda, o desemprego atingiu seu menor índice, a queda do PIB foi menor que o esperado e o Ibovespa alcançou níveis recordes.
O que esperar para 2026
Embora desagrade ministros do governo Lula no curto prazo, a postura firme do Banco Central sob comando de Galípolo deve entregar um 2026 com menos turbulência. A credibilidade conquistada junto ao mercado atenua as preocupações com as brechas do arcabouço fiscal e os gastos do Congresso.
No próximo ano, essa mesma postura rigorosa pode amortecer o ímpeto de especuladores que eventualmente apostem contra o Brasil, especialmente se Lula aparecer como favorito em possíveis cenários eleitorais. O mercado compreendeu que o ciclo de cortes de juros só se inicia em março de 2026, e Galípolo não está entregando ao governo uma queda imediata dos juros, mas algo considerado ainda mais valioso: credibilidade institucional.