Em um movimento que surpreendeu observadores dentro e fora da Igreja Católica, o conclave reunido em abril de 2025 escolheu o cardeal americano Robert Prevost para suceder ao popularíssimo Papa Francisco. O novo pontífice, que adotou o nome de Leão XIV, assume em um momento de transformações globais, apresentando um estilo marcadamente diferente, mas uma continuidade substancial nas principais bandeiras sociais de seu antecessor.
Um perfil discreto para tempos conturbados
A eleição de um papa norte-americano, algo inédito, já foi a primeira surpresa. Robert Prevost, de 70 anos, é descrito como uma figura calma, discreta e meticulosa, um contraste evidente com a espontaneidade carismática e a simplicidade do argentino Francisco. Conhecido como "pastor de duas pátrias", ele dividiu sua trajetória pastoral entre os Estados Unidos, mais precisamente Chicago, e o Peru, onde serviu como prelado de Chiclayo.
Enquanto Francisco cativava com seu humor e gestos diretos, Leão XIV demonstra um perfil mais contido, afeito à liturgia formal do cargo e aparentemente menos à vontade sob os holofotes, com um sorriso que muitas vezes parece contido. Aos 70 anos, é considerado jovem para os padrões do papado, especialmente se comparado a Francisco, que faleceu aos 88 anos, vítima de um colapso cardiovascular logo após as celebrações da Páscoa de 2025.
Continuidade nas ideias, reserva nos costumes
Apesar da diferença de estilo, os primeiros meses do pontificado de Leão XIV deixaram claro que, em termos doutrinários e sociais, há uma forte sintonia com o legado de Francisco. O novo papa tem ecoado com firmeza as posições do antecessor na defesa dos pobres, na urgência do combate às mudanças climáticas e no apelo por uma maior participação das mulheres nas estruturas administrativas da Igreja.
Em discursos e homilias ao longo do ano, ele aproveitou todas as oportunidades para condenar os conflitos armados, com menções específicas a Gaza e à Ucrânia, priorizando sempre a via diplomática e a ajuda humanitária. Também foi veemente em suas críticas às políticas de imigração em várias partes do mundo, especialmente nos Estados Unidos, qualificando o tratamento dado a muitos imigrantes como "extremamente desrespeitoso".
No entanto, há um campo onde Leão XIV demonstra menor abertura: as questões de costumes. Ele se mostrou mais reservado que Francisco em relação a bênçãos a casais do mesmo sexo e ao debate sobre o casamento homossexual, sinalizando que sua modernidade tem limites claros e é guiada por uma interpretação cautelosa da tradição.
A Igreja no novo cenário político global
A postura adotada por Leão XIV reflete um fenômeno paradoxal dos tempos atuais. Diante do avanço mundial de correntes políticas de direita mais radicalizadas, coube à veneranda e conservadora Igreja Católica assumir, ao menos em parte, a defesa de pautas tradicionalmente associadas ao progressismo, como a justiça social, a ecologia integral e a acolhida aos migrantes.
Publicada na edição de 24 de dezembro de 2025 da revista Veja (edição nº 2976), a análise sobre o novo papa destaca justamente esse papel. Leão XIV, portanto, se consolida não como uma ruptura, mas como uma evolução adaptativa do legado de Francisco. Ele conduz a Igreja com um tom mais sóbrio, mas mantendo o núcleo de um magistério social que se posiciona frente aos grandes desafios humanitários do século XXI, reafirmando o lugar da instituição no debate ético global.