Péricles Aparecido Fonseca de Faria, carinhosamente conhecido como Pericão, completou 56 anos em junho deste ano, marcando impressionantes 39 anos de dedicação à música brasileira. Desse total, 26 anos foram à frente do Exaltasamba e os últimos 13 em carreira solo, consolidando-se como uma das vozes mais respeitadas da MPB e um nome fundamental para artistas negros no país.
Reflexões sobre racismo e sociedade
Em entrevista exclusiva, Péricles reflete sobre a realidade de fazer sucesso em um Brasil que ainda enfrenta machismo, racismo e intolerância religiosa. "Por mais que a gente tenha evoluído em alguns pontos, em outros a gente está muito atrasado", afirma o cantor, demonstrando consciência crítica sobre as desigualdades sociais.
Para ele, o mês da consciência negra funciona como um lembrete necessário à sociedade brasileira. "Esse mês é para lembrar que é um problema de todos nós. A situação do jovem negro e de todos os homens negros no país e no mundo precisa ser lembrada", destaca Péricles, complementando com uma afirmação poderosa: "A gente não tem que ser aceito, a gente tem que ser respeitado."
Discriminação musical e experiências pessoais
Ao falar sobre o preconceito que ainda recai sobre gêneros como samba, funk e rap, o artista lamenta que essa discriminação persista mesmo após tantos anos. "O ser humano tem medo daquilo que ele não conhece. Mesmo com tanta informação, as pessoas não buscam saber de onde vêm e qual é a própria história", analisa.
Mesmo sendo hoje um artista reconhecido e respeitado nacionalmente, Péricles reconhece que ainda sofre racismo frequentemente. "Sim. Um dos meus sofre e o outro também sofre", diz, referindo-se a si mesmo e às pessoas ao seu redor. Ele relata situações cotidianas onde percebe olhares desconfiados ao chegar em determinados ambientes: "Ainda são olhares do tipo 'o que esse cara faz aqui?'".
Apesar dessas experiências negativas, o cantor garante que não se deixa abalar. "Eu sou a voz de vários outros que não tiveram a chance que eu tenho. Eu vou fazer pelos meus", afirma com determinação.
Postura acolhedora e projetos atuais
Conhecido por seu jeito acolhedor, Péricles explica que sua postura vem diretamente de sua vivência pessoal. "Procuro fazer o que eu sei que outros fariam por mim. Para eu acolher como acolho, também fui acolhido", revela, destacando que tenta expandir essa atmosfera positiva para mais pessoas pois sabe que "muita gente está precisando".
Sobre episódios recentes envolvendo racismo - como operações policiais violentas no Rio e a discussão em torno do apagamento da personagem de Taís Araujo em "Vale Tudo" -, o cantor não hesita em afirmar que tudo o afeta profundamente. "São acontecimentos que me chocam, como tantos outros que a gente vê todo dia. Infelizmente, podem acontecer perto da gente".
Atualmente técnico no The Voice no SBT, Péricles se mostra entusiasmado com a experiência. "É uma experiência única, que eu tenho abraçado da melhor maneira", comenta, destacando o privilégio de acompanhar novos talentos: "Independente da cadeira virar ou não, estamos descobrindo grandes vozes".
O artista também comenta o projeto que realiza com Ferrugem, com participação de Belo, que passará por 12 capitais brasileiras. "Estou podendo conhecer mais da vida e da obra do Ferrugem. É maravilhoso cantar nossas obras juntos", entusiasma-se, acrescentando que "estamos formando um público muito maior".
Família, legado e futuro do pagode
À espera do primeiro neto, Péricles se emociona ao falar sobre família. "Meu neto está chegando, e a gente está muito feliz", compartilha. Seu desejo é preparar tanto o mundo para as novas gerações quanto as novas gerações para o mundo, "com todas as alegrias e tristezas que esse mundo nos oferece".
Ao lembrar da própria adolescência, o cantor descreve esse período como fundamental para seu despertar social. "A adolescência me fez acordar para o fato de eu ser um jovem negro de periferia e parte de algo muito maior: uma sociedade", reflete, reforçando o papel essencial da base familiar em sua formação: "Eu sempre soube que tinha uma família para me acolher. Isso é primordial".
Considerado uma referência no pagode, Péricles credita seu aprendizado aos ídolos que o inspiraram. "Eu aprendi direitinho com grandes artistas", afirma, destacando especialmente a influência do grupo Fundo de Quintal: "Eles deixaram um legado incrível de postura, educação e respeito, que é o que quero deixar para os meus filhos".
Por fim, o cantor avalia com otimismo o crescimento do pagode no cenário musical atual. "Com um olhar mais profissional, o pagode está crescendo e se firmando novamente no mercado", observa, celebrando que o gênero, antes visto de forma pejorativa, voltou a ocupar espaço em novelas, filmes e grandes produções. "Hoje é uma realidade", conclui, satisfeito com o reconhecimento alcançado.
Na próxima segunda-feira (24), Péricles será homenageado na quinta edição do Prêmio Potências, em São Paulo, coroando uma trajetória de quase quatro décadas dedicadas à música e à luta por uma sociedade mais justa e respeitosa.