A indústria da moda está no centro de um debate acalorado com a adoção crescente da inteligência artificial. A mais recente polêmica envolve a gigante do varejo Zara, que passou a utilizar IA para gerar imagens de modelos reais vestindo peças diferentes, dispensando a necessidade de novas sessões fotográficas.
Economia para as marcas, incerteza para os profissionais
A prática, revelada publicamente na semana passada, representa uma enorme economia de custos para um negócio de fast fashion como a Zara. No entanto, a pergunta que fica no ar é: quem arca com esse custo? Especialistas apontam que o peso recai sobre os profissionais já precarizados da indústria.
Dezenas de pessoas podem ser impactadas em uma única produção fotográfica tradicional, incluindo modelos, fotógrafos, assistentes, stylists, maquiadores, profissionais de alimentação e limpeza. Enquanto modelos consagrados e fotógrafos renomados têm poder de barganha para se proteger, a situação é muito mais frágil para iniciantes e aspirantes.
A Zara adotou um procedimento que buscou autorização de modelos que já haviam posado para a marca para criar novas imagens a partir de suas fotos existentes. Embora isso seja visto como um passo à frente em relação à criação de modelos totalmente artificiais, surge a dúvida: uma modelo iniciante teria a liberdade de recusar tal autorização sem medo de retaliação em futuras contratações?
Uma tendência que se espalha pela indústria
A Zara não está sozinha nesse movimento. Outras grandes empresas de moda já exploram caminhos semelhantes. A H&M, por exemplo, anunciou a criação de clones digitais de modelos para uso em campanhas. Em agosto de 2025, a marca Guess provocou reações ao publicar um anúncio inteiramente produzido com inteligência artificial.
O discurso comum de que "profissionais não serão substituídos por IA, mas por pessoas que sabem usá-la" é colocado em xeque neste contexto. Em um cenário onde a imagem completa é gerada por algoritmo, qual seria o papel de um stylist, por mais proficiente que seja em ferramentas como ChatGPT?
O caso brasileiro: avatares digitais de modelos reais
No Brasil, a discussão ganhou contornos específicos com uma iniciativa da agência Joy. A empresa criou avatares digitais hiper-realistas de modelos reais de seu elenco. A proposta é que esses "gêmeos virtuais" possam ser usados em projetos publicitários sem a necessidade de deslocamento físico constante, respeitando contratos e remunerações previamente acordados.
Apesar de ser uma tentativa de controlar uma transformação considerada inevitável, questões importantes permanecem. Para quem está começando, haverá demanda tanto pela pessoa real quanto por seu avatar? Existe o risco concreto de a pessoa de carne e osso perder oportunidades para sua versão digital?
A Joy defende que a iniciativa não visa substituir modelos, mas abrir uma nova frente de trabalho em um mercado em digitalização acelerada. Contudo, questões sobre controle de imagem, privacidade, duração dos direitos concedidos e o equilíbrio entre abrir novas portas ou fechar as existentes são centrais no debate.
O debate necessário antes da consolidação
Entidades que representam profissionais do setor da moda têm se manifestado sempre que casos como o da Zara vêm à tona. A crítica principal é que a inteligência artificial precisa ser debatida antes de sua aplicação em larga escala. Após a consolidação do uso da tecnologia, será muito mais difícil reverter o cenário ou estabelecer regras protetivas.
O cerne da questão não é ser contra o progresso tecnológico, mas defender que sua implantação seja feita a partir de discussões sérias e inclusivas. O que está em jogo, afinal, é o sustento de milhares de pessoas que dependem da indústria da moda para viver. O exemplo criado pelo jornalista Alvaro Leme em menos de um minuto no Midjourney, em 23 de dezembro de 2025, serve como um alerta vívido do quão simples e disruptiva essa tecnologia pode ser.