
Parece que a dança resolveu dar uma repaginada nos cardápios — e não, não estamos falando de coreografias sobre restaurantes. A 15ª Bienal Sesc de Dança, acontecendo agora em Campinas, transformou alimento em algo que vai muito além do simples sustento corporal. Virou arma crítica, memória afetiva e, pasmem, instrumento de resistência cultural.
O que era pra ser mais um festival de dança tradicional se revelou uma experiência sensorial completa. E olha que interessante: vários espetáculos usam comidas típicas e ingredientes brasileiros não como adereço, mas como protagonistas das narrativas. Tem desde farinha derramada no chão criando mapas imaginários até o cheiro de temperos guiando movimentos dos bailarinos.
Quando a Comida Vira Protesto
Um dos trabalhos mais comentados — e polêmicos — mostra performers distribuindo pratos vazios para o público enquanto recitam números de inflação alimentar. A mensagem é dura, direta. Quase um soco no estômago, mas necessário. Outra coreografia utiliza grãos e sementes nativas para contar histórias de povos originários, numa verdadeira aula de história com os pés.
"A gente cansou de dançar só o belo", comentou uma das coreógrafas durante os ensaios. "Queremos o real, o cru, o que alimenta e o que falta na mesa dos brasileiros." E essa ousadia está sendo recebida com aplausos — e algumas lágrimas — pela plateia.
Resgate Ancestral nos Palcos
Mas não é só crítica social não. Tem muita celebração rolando também. Grupos de diversas regiões do Brasil estão apresentando danças que recriam rituais alimentares tradicionais. É como se cada prato típico ganhasse vida através do corpo dos dançarinos.
- No norte, uma performance recria o preparo do pato no tucupi através de movimentos fluidos e circulares
- Do nordeste, vem o baião de dois coreografado em passos sincopados e alegres
- E do sudeste, aquela feijoada completa que vira uma explosão de ritmos e cores no palco
É comida que vira dança que vira memória. Uma coisa linda de se ver, sério.
Pós-Pandemia: Fome de Encontro
Alguém aí lembra daquele tempo estranho de isolamento? Pois é, a Bienal parece ter absorvido toda aquela saudade do coletivo. Muitas obras focam justamente nos rituais de compartilhar comida — aqueles momentos simples como dividir um pão ou servir um café para visitas.
"A pandemia nos mostrou o quanto é humano comer junto", reflete um diretor artístico. "E agora estamos traduzindo essa necessidade vital em movimento." O resultado são cenas que arrancam suspiros e aquela pontada de reconhecimento no peito.
E tem mais: oficinas práticas ensinam receitas tradicionais enquanto discutem sustentabilidade. Porque afinal, de que adianta dançar sobre comida se não pensar no futuro dos nossos alimentos?
Para Onde Isso Tudo Vai?
O festival segue até novembro, e cada semana traz novas descobertas. O que mais impressiona é como conseguiram transformar algo tão cotidiano — comer — em arte de alto nível sem perder a essência. É sofisticado, mas ao mesmo tempo tão... caseiro.
Quem foi garante: não é só espetáculo, é experiência. Daquelas que ficam martelando na cabeça — e no estômago — por dias. E no fundo, talvez seja isso que a arte deveria ser sempre: alimento para corpo e alma.