
Quem viveu os anos 80 não esquece. Aquele personagem complexo, cheio de nuances, que dividia opiniões nas ruas e nos botequins. Três décadas e meia depois, Reginaldo Faria — o Marco Aurélio original — assistiu ao remake da novela que mudou a televisão brasileira. E sua análise? Bem, é daquelas que dão nó na cabeça.
"É estranho, sabe?" confessa o ator, com aquela voz grave que já conhecemos de cor. "Ver outra pessoa interpretando um papel que foi tão seu... É como encontrar um parente distante que você nem sabia que existia."
Do original ao remake: o que mudou?
O tempo passou, a sociedade evoluiu — ou pelo menos tentou — e a televisão acompanhou essa transformação. Reginaldo observa as diferenças com olhar clínico de quem entende do riscado. "Na nossa época, tudo era mais... cru, talvez. As paixões mais desesperadas, os conflitos mais visceralmente humanos."
E faz uma pausa dramática antes de completar: "Hoje parece que tudo é mais polido, mais cuidadosamente planejado. Não sei se é melhor ou pior — só é diferente mesmo."
A evolução do vilão
Marco Aurélio não era exatamente um mocinho. Longe disso. Mas também não cabia na cartilha do vilão tradicional. "Ele tinha suas razões, suas motivações tortas — como todo mundo, aliás" reflete Faria. "O desafio era fazer o público odiá-lo e, ao mesmo tempo, entender por que ele agia daquela forma."
E sobre a nova interpretação? "Cada ator traz sua bagagem, sua leitura. É natural que seja diferente. O interessante é ver como certas essências permanecem, mesmo com abordagens distintas."
Memórias das gravações
Reginaldo solta aquela risada característica quando lembra dos bastidores. "Tinha dia que eu chegava em casa e nem me reconhecia no espelho. O personagem era tão intenso que às vezes a gente levava ele pra casa sem querer."
E as reações do público? "Ah, eram impagáveis! Tinha gente que me xingava na rua, outras que me parabenizavam como se eu tivesse realmente feito aquilo tudo. O brasileiro sempre teve essa coisa de confundir personagem com ator — e isso, de certa forma, é um elogio."
O legado que permanece
Quase quarenta anos depois, Vale Tudo continua sendo assunto. "Isso me surpreende, confesso" admite o veterano ator. "A gente faz o trabalho, entrega o que tem de melhor e segue em frente. Que uma obra ainda provoque discussões depois de tanto tempo... bem, isso é raro."
E finaliza com uma reflexão que vale ouro: "Talvez a grande lição seja que certas histórias são atemporais. Os personagens mudam, os cenários se atualizam, mas as paixões humanas — essas permanecem essencialmente as mesmas."