
A voz embarga, os olhos se enchem de uma tristeza que só quem ama profundamente consegue entender. Augusto Nascimento, de 52 anos, escolheu as palavras com cuidado — cada uma delas doía ao sair. "Meu melhor amigo está me deixando aos poucos", confessa, referindo-se ao pai, ninguém menos que Milton Nascimento, um dos maiores nomes da música brasileira.
E que amigo, hein? O mesmo que embalou gerações com canções que pareciam ter saído diretamente do céu. Agora, aos 82 anos, Milton enfrenta a demência — uma daquelas doenças insidiosas que roubam pedaços da pessoa sem pedir licença.
O silêncio que fala mais alto
Augusto não esconde a dor. Como poderia? "É uma espécie de luto antecipado", desabafa, enquanto mexe no café que esfriou sem que percebesse. A conversa aconteceu no Rio, cidade que ainda guarda ecos das apresentações magistrais do pai.
O pior, diz ele, são os momentos de lucidez. Aqueles instantes fugazes em que os olhos do cantor recuperam a centelha de outrora. "Às vezes ele me reconhece, sorri, e meu coração quase para. No minuto seguinte, já se foi de novo."
Memórias em fade out
Imagina só: o homem que compôs "Canção da América" agora não se lembra mais da letra. O criador de "Maria, Maria" por vezes não reconhece a própria criação. É cruel, mas Augusto encontrou uma forma peculiar de lidar com a situação.
- Música como terapia: "Coloco as músicas dele para tocar. Algumas ele ainda canta baixinho, como se fosse um reflexo muscular da alma"
- O poder do toque: "Seguro sua mão como ele segurou a minha quando era criança. O carinho permanece, mesmo quando a memória vai embora"
- Celebrar o presente: "Aprendi a valorizar cada segundo de conexão, por mais breve que seja"
Não é fácil, claro. Há dias em que a frustração bate forte — quem nunca? Mas Augusto insiste: o amor não depende da memória.
Um legado que permanece
Enquanto o Milton que conhecemos vai gradualmente se despedindo, sua música — ah, sua música! — continua mais viva do que nunca. Paradoxal, não? O criador se vai, mas a criação permanece, tocando gerações que talvez nem saibam da batalha silenciosa que ele trava.
Augusto finaliza com um pensamento que doi bonito: "Talvez ele não se lembre mais de mim como filho, mas sei que em algum lugar lá dentro, ainda sou seu melhor amigo".
E no fundo, é disso que se trata, né? Amor que transcende lembranças, que sobrevive mesmo quando a mente nos prega peças. Milton pode estar se esquecendo do mundo, mas o mundo jamais se esquecerá dele.