O Brasil perdeu uma de suas mais importantes e respeitadas lideranças religiosas. Morreu, aos 98 anos, Mãe Carmen de Oxaguian, a ialorixá que comandava o histórico Terreiro do Gantois, em Salvador. A notícia do falecimento mobilizou a comunidade do candomblé e personalidades da cultura baiana, que se reuniram para um dia de recolhimento e despedida no próprio terreiro.
Uma vida dedicada à tradição e à comunidade
Carmen Oliveira da Silva, conhecida como Mãe Carmen de Oxaguian, era a filha caçula de Mãe Menininha do Gantois, uma figura lendária da religião afro-brasileira. Ela vinha enfrentando problemas de saúde e estava internada havia duas semanas em um hospital da capital baiana, lutando contra uma forte gripe. A ialorixá não resistiu e faleceu, faltando poucos dias para completar 99 anos, data que seria celebrada na próxima segunda-feira.
Desde o ano de 2002, Mãe Carmen assumiu a liderança do Ilê Iá Omi Axé Iamassê, o Terreiro do Gantois, um espaço sagrado tombado como patrimônio histórico e imaterial do Brasil. Sob seu comando, o terreiro manteve suas tradições e continuou sendo um centro de acolhimento, fé e resistência cultural.
Homenagens e legado de uma matriarca
A sexta-feira foi marcada por um profundo sentimento de luto no Gantois. Durante todo o dia, filhos e filhas de santo, familiares, outras lideranças religiosas, autoridades e artistas passaram pelo local para se despedir da querida ialorixá. A cantora Daniela Mercury a descreveu como "uma mulher poderosa, uma líder inteligente, sábia, resiliente".
Mãe Pequena Ângela, filha de santo de Mãe Carmen, expressou a dor da perda: "É um vácuo que fica no coração da gente e uma sensação de irrealidade. Como dizem por aí, a ficha não cai assim tão facilmente". A ministra da Cultura, Margareth Menezes, destacou nas redes sociais que Mãe Carmen era uma "mulher de fé que cultivou amor, acolhimento e a força de quem lidera pelo exemplo".
Artistas como Maria Bethânia e Regina Casé também prestaram suas homenagens. Casé lembrou-a como uma "sábia matriarca a quem recorremos nos momentos difíceis de nossas vidas".
O luto e a continuidade
O corpo de Mãe Carmen de Oxaguian foi sepultado na manhã deste sábado (27), em um cemitério de Salvador. Após a cerimônia, o Terreiro do Gantois foi fechado, dando início a um período de luto que deve durar, pelo menos, um ano. Esta é uma tradição respeitada dentro da religião.
O antropólogo Marlon Marcos refletiu sobre o momento: "É um dia de fazer silêncio, mas também de ficar de pé e agradecer aos orixás por ter conseguido conhecer alguém que conseguiu cumprir sua missão". Já Deivisson Café, técnico em edificações, ressaltou a dimensão cultural da perda: "Vai deixar uma grande falta na nossa cultura, na tradição do candomblé, que é uma coisa muito enraizada, muito forte na história da Bahia".
Mãe Carmen deixa um legado de dedicação à sua fé e à sua comunidade. Em suas próprias palavras, que ecoam sua filosofia de vida: "Nas nossas orações públicas, a gente pede pelo mundo, pela paz, pelo progresso, pela saúde, então o candomblé só faz o bem". Sua passagem encerra um capítulo, mas a força de sua liderança e os ensinamentos que transmitiu permanecem vivos no coração do Gantois e do povo de santo.