
Quem diria que numa ilha gigantesca na foz do Amazonas, um homem quieto iria mudar para sempre o cenário cultural da região? Mestre Damasceno — ou Damasceno Gomes da Silva, se preferir o nome de batismo — não era exatamente uma figura que buscava os holofotes. Mas caramba, que legado ele deixou!
Nascido lá pelos idos de 1928 na pacata vila de Joanes, no arquipélago do Marajó, esse paraense de poucas palavras mas muitas notas musicais compôs nada menos que mais de 400 canções. Quatrocentas! É como se ele tivesse decido transformar em melodia cada raio de sol que bate nas águas barrentas do rio, cada revoada de guarás vermelhos no céu da ilha.
O Criador do Bufalo-Bumba
Agora preste atenção porque isso é genial: enquanto o Brasil todo conhece o bumba-meu-boi, Mestre Damasceno teve a sacada de adaptar a tradição à realidade local. No Marajó, o que não falta é búfalo, certo? Então ele simplesmente criou o "bufalo-bumba", substituindo a figura do boi pelo animal que realmente domina a paisagem e a economia local.
Não foi só uma troca de animal não — foi toda uma recriação cultural. As roupas coloridas, os ritmos, as coreografias... tudo ganhou a cara do Marajó. E pensar que essa jóia cultural quase ficou restrita aos confins da ilha!
Um Legado Que Quase Desapareceu
Aqui é que a coisa fica triste e feliz ao mesmo tempo. A maioria dessas 400 composições? Estavam apenas na cabeça do velho mestre. Não havia partituras, gravações profissionais, nada registrado formalmente. O risco de tudo se perder com o tempo era enorme — que desperdício colossal seria!
Mas eis que entram em cena pesquisadores e admiradores dessa cultura rica que insiste em não desaparecer. Nos últimos anos, virou uma missão quase sagrada resgatar e registrar toda essa obra antes que o tempo apague o que resta na memória dos mais velhos.
Mais Que Música: Identidade de Um Povo
O que me impressiona não é apenas a quantidade, mas a profundidade temática das composições de Damasceno. Não era música por música — cada canção contava uma história, celebrava um santo, criticava uma injustiça social ou simplesmente capturava o cotidiano dessa gente resiliente que habita a maior ilha fluviomarinha do planeta.
Ele faleceu em 2016, sabia? Mas deixou um tesouro que agora estamos finalmente aprendendo a valorizar. E não é exagero dizer que Mestre Damasceno é tão importante para a cultura paraense quanto Luiz Gonzaga é para o Nordeste. O problema é que quase ninguém fora do Pará conhece essa história — até agora.
Que ironia, não? Um gênio criativo que produziu tanto durante toda uma vida, e só agora, anos após sua partida, estamos dando o devido valor à sua obra. Mas melhor tarde do que nunca, como diz o ditado.
O resgate da obra de Mestre Damasceno não é apenas sobre preservar o passado — é sobre garantir que futuras gerações de marajoaras possam se reconhecer nessa herança cultural vibrante e única. E no fundo, é sobre lembrar que os maiores tesouros do Brasil muitas vezes estão escondidos bem debaixo dos nossos narizes, esperando apenas ser descobertos.