
Imagine mergulhar nas águas geladas do Mar Amarelo sem nenhum equipamento de oxigênio, apenas com um traje de neoprene, uma máscara e uma coragem de dar inveja a qualquer um. Pois é exatamente isso que fazem as haenyeo – ou "mulheres do mar" – da ilha de Jeju, na Coreia do Sul, há gerações. Uma tradição que, pasme, remonta ao ano 434. Sim, você leu direito: século V.
Elas descem a impressionantes dez metros de profundidade, aguentando a respiração por até dois minutos – um tempo que pra mim, confesso, seria impossível. E olha que não é brincadeira: ficam até cinco horas por dia nesse ritual, enfrentando correntezas traiçoeiras e criaturas marinhas nem sempre amigáveis.
Uma Herança de Séculos Nas Ondas
O curioso é que nem sempre foi assim. No começo, eram os homens que mergulhavam, mas a coisa mudou de figura no século XVII quando as mulheres entraram na dança – ou melhor, nas águas. E não é que se provaram simplesmente melhores? A gordura corporal mais alta das mulheres as protegia melhor do frio cortante. Biologia pura.
O auge foi nos anos 1960, quando mais de 30 mil haenyeo estavam na ativa. Hoje, o número caiu pra pouco mais de 4 mil – e a maioria já passou dos 60 anos. Uma pena, mas a modernidade cobrou seu preço.
Muito Mais Que Mergulho: Uma Filosofia de Vida
O que mais me impressiona não é só a habilidade física, mas todo o ecossistema cultural que surgiu em torno delas. Existe um sistema cooperativista fortíssimo, onde o conhecimento passa de geração em geração como herança familiar. As mais velhas ensinam as novatas os segredos do mar – quais os melhores pontos, como ler as correntes, que espécies coletar.
E não é só trabalho: tem todo um ritual espiritual. Antes de cada mergulho, elas cantam uma canção tradicional, pedindo proteção aos deuses do oceano. É bonito de se ver, uma conexão quase religiosa com a natureza.
O reconhecimento veio em 2016, quando a UNESCO declarou a cultura das haenyeo como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Merecidíssimo, se me perguntam.
O Futuro Das Guardiãs do Mar
Agora, o grande desafio é manter viva essa tradição. Com o turismo crescendo na ilha – que virou um dos destinos mais cobiçados da Ásia –, muitas jovens estão preferindo trabalhar na hospitality ao invés de enfrentar as águas geladas. Quem pode culpá-las?
Mas ainda há esperança. Programas governamentais e iniciativas locais tentam preservar esse legado, oferecendo treinamento e mostrando que ser haenyeo vai muito além de coletar frutos do mar: é sobre resistência, comunidade e uma forma única de estar no mundo.
Enquanto isso, essas veteranas do mar continuam sua rotina, mergulho após mergulho, mostrando que algumas tradições valem a pena ser preservadas – mesmo que a modernidade insista em dizer o contrário.