
O coração do cerano parou. Não foi uma partida qualquer — era como se um pedaço da nossa memória coletiva simplesmente decidisse seguir outro caminho. Mãe Maria, aquela figura serena que milhões de brasileiros carregaram na carteira sem sequer saber seu nome, nos deixou.
Aos cem anos — sim, um século inteiro de histórias — ela se foi. Morreu tranquilamente, cercada pelos seus, na Terra Indígena Krahô, no interior do Tocantins. A causa? Segundo a Funai, foi uma pneumonia. Coisa simples, quase banal, para alguém que viveu tanto.
E pensar que seu rosto, marcado pelo tempo e pela sabedoria, circulou de mão em mão pelo país inteiro durante os anos 80. A cédula de mil cruzeiros (ah, aquela nota vermelha!) era mais do que dinheiro — era um pedaço de cultura que a gente carregava no bolso. Quem tinha um pouco mais de idade certamente lembra.
Mas quem era ela, afinal? Mãe Maria Krahô. Uma líder espiritual, uma guardiã das tradições, uma mulher que tecia histórias com as mãos e ensinava os mais novos a não esquecerem de onde vieram. Dizem que seu olhar calmo escondia uma força descomunal.
O que pouca gente sabe é que a imagem dela na cédula quase não aconteceu. O Banco Central precisava de um símbolo autenticamente brasileiro para aquela nova família de cédulas — algo que gritasse "Brasil" de verdade. E acharam na fotografia de uma mulher Krahô, tirada anos antes, a representação perfeita.
Ela mesma, contam os mais próximos, nunca deu muita importância à fama involuntária. Continuou vivendo como sempre viveu: plantando, colhendo, cuidando da comunidade, transmitindo conhecimentos que os livros jamais registrarão.
Hoje, o que fica é mais do que a imagem em um pedaço de papel que não vale mais nada — exceto, talvez, para colecionadores saudosistas. Fica o legado de resistência. De uma cultura que persiste, apesar de tudo. De um povo que insiste em existir, em lembrar, em contar sua própria história.
O velório aconteceu na própria aldeia, seguindo todos os rituais tradicionais do povo Krahô. Uma despedida simples, como foi sua vida. Sem holofotes, sem estardalhaço. Apenas o silêncio respeitoso da terra que ela tanto amou.
Partiu uma anciã. Ficou a lição.