
Não é todo dia que um filme chega e mexe com nossas certezas mais profundas — principalmente quando decide falar de um tema tão delicado quanto o envelhecimento. Pois é exatamente isso que O Último Azul faz, e com uma maestria que rendeu nada menos que o Urso de Prata de Melhor Roteiro no Festival de Berlim.
Dirigido por Miguel Ángel Jiménez, o longa espanhol — coproduzido com França e Luxemburgo — não se contenta em apenas retratar a velhice. Ele a reinventa, mergulhando no universo de um homem idoso que, após perder a esposa, se vê diante de um vazio existencial gigantesco.
E é aí que a fantasia entra. De forma orgânica, quase natural, o diretor nos leva a um território onde realidade e imaginação se confundem. Sonho? Memória? Alucinação? Quem sabe. O certo é que, através desse recurso narrativo, a solidão ganha cores, texturas e até diálogos.
Mais que um drama: um respiro poético
Longe de ser um drama pesado ou didático, O Último Azul flutua. A narrativa avança sem pressa, como quem relembra — ou inventa — histórias à beira-mar. E talvez seja essa a grande sacada: tratar a velhice não como um fardo, mas como um espaço de criação.
— A fantasia não é fuga, é resistência — diria Jiménez, se estivesse aqui. E faz todo sentido. Num mundo obcecado por produtividade e juventude, permitir que um personagem idoso sonhe, invente e se perca em seus próprios pensamentos é quase um ato político.
Um urso que vale ouro
O prêmio em Berlim não foi por acaso. O júri reconheceu justamente a ousadia de um roteiro que escapa do óbvio. Em vez de cair no lugar-comum do idoso frágil ou do velho sábio, O Último Azul apresenta um homem complexo, cheio de camadas — algumas reais, outras inventadas.
E que bom ver o cinema espanhol sendo celebrado assim. Com delicadeza e coragem. Sem medo de misturar gêneros e emocionar sem apelar para o melodrama.
Para quem se interessa por cinema que provoca, que questiona e, acima de tudo, que humaniza, essa é uma pedida mais que recomendada. Afinal, envelhecer — se formos sortudos — é uma inevitabilidade. Como encarar esse processo, no entanto, ainda é uma escolha.