Imagens raras revelam a destruição do Morro do Castelo no Rio
Imagens raras mostram destruição do Morro do Castelo

Um acervo de imagens históricas, recentemente restaurado, joga nova luz sobre um dos capítulos mais drásticos da transformação do Rio de Janeiro: a destruição completa do Morro do Castelo, considerado o berço da cidade. O material, tratado pelo Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, documenta em detalhes o processo de desmonte que, entre o fim do século XIX e a década de 1920, apagou do mapa uma colina repleta de história para dar lugar a um projeto de modernização do Centro.

O berço da cidade e a ideia radical para o Pão de Açúcar

O Morro do Castelo não era apenas uma elevação geográfica. Com aproximadamente 184 mil metros quadrados e 63 metros de altura, ele abrigou as primeiras instituições do Rio colonial, como igrejas, a Câmara, a cadeia e escolas. Sua posição estratégica, com vista privilegiada para a Baía de Guanabara, fez dele um símbolo do poder militar e religioso desde a fundação.

Um dado pouco conhecido, revelado no documentário O Desmonte do Monte pela cineasta Sinai Sganzerla, é que a primeira opção para a remodelação da cidade não era o Castelo, mas sim um ícone maior. A ideia inicial era demolir o Pão de Açúcar. Um projeto de lei chegou a ser aprovado, mas a execução nunca foi adiante, desviando o foco para o morro histórico.

O processo de destruição: máquinas, interesses e exclusão

O declínio do Morro do Castelo começou na segunda metade do século XIX, quando a área passou a ser associada a problemas sanitários e à obstrução da circulação de ventos no Centro, sendo injustamente culpada por epidemias. A elite abandonou o local, que foi ocupado por uma população pobre, em grande parte afrodescendentes e imigrantes.

O primeiro grande ataque ocorreu em 1905, durante a reforma urbana do prefeito Pereira Passos, para a abertura da Avenida Central (atual Rio Branco). A destruição total, porém, veio em 1920, sob a gestão do prefeito Carlos Sampaio. Ele justificou a ação chamando o morro de "um dente cariado", um resquicio colonial incompatível com uma cidade moderna.

As imagens restauradas mostram um canteiro de obras de grande escala, com escavadeiras, vagões e poderosos jatos d'água sendo usados para dissolver a colina. A terra removida foi usada em aterros que expandiram outras áreas da cidade. No total, cerca de 400 construções coloniais foram demolidas.

Por trás do discurso de progresso e higiene, historiadores apontam uma rede de interesses. Empresários da construção civil, ligados aos políticos no poder, foram diretamente beneficiados com as obras e a subsequente valorização imobiliária. A remoção forçada de centenas de famílias, sem qualquer política de reassentamento, representou um violento processo de exclusão social.

Lendas, tesouros e o último adeus

Além das construções físicas, o Morro do Castelo carregava um rico imaginário. Circulavam lendas sobre um tesouro escondido pelos jesuítas em seus subterrâneos. Relatos da época e de ex-moradores, recuperados no documentário, falam da descoberta durante as escavações de joias, túneis, objetos religiosos e até instrumentos de tortura.

Poucas vozes se levantaram contra a destruição. Uma exceção foi o escritor Lima Barreto, que criticou ferozmente o apagamento da história e a marginalização dos pobres. Sua morte, em 1922, ano da demolição final, tornou-se um símbolo desse apagamento.

Antes do fim, a cidade realizou um ritual de despedida. Uma última missa na Igreja de São Sebastião reuniu cerca de 10 mil pessoas. Em um cortejo simbólico, a imagem do santo padroeiro, a pedra fundamental da cidade e as cinzas de Estácio de Sá foram transferidas para a Igreja dos Capuchinhos, na Tijuca, numa tentativa de preservar a memória da fundação.

Hoje, praticamente nada resta do morro. Apenas um trecho da Ladeira da Misericórdia, ao lado do Museu Histórico Nacional, e registros documentais. Para o historiador Antonio Edmilson Martins Rodrigues, da UERJ, o Morro do Castelo se tornou um "fantasma" na paisagem carioca, perceptível nas inclinações das ruas e na organização do Centro, uma lembrança invisível, porém indelével, do lugar onde a cidade nasceu.