
Era quase impossível andar pelo centro de Porto Alegre sem esbarrar naquela estrutura cinzenta e inacabada. Sete décadas. Sete décadas de promessas não cumpridas, de projetos engavetados, de uma ferida aberta no coração da cidade. O famigerado "Esqueletão" finalmente tombou - e não, não estou falando metaforicamente.
Parece até coisa de filme: um prédio que começou a ser construído nos anos 1950 e nunca viu seu último andar. Ficou ali, esquelético mesmo, desafiando o tempo e virando praticamente uma atração turística às avessas. Quem passava pela Avenida João Pessoa sempre dava aquela olhada - meio de curiosidade, meio de pena.
Do sonho ao pesadelo urbano
A história desse elefante branco começou com ambição. Imagina só: projeto aprovado em 1955 para ser um grandioso edifício comercial. Os alicerces foram lançados, a estrutura começou a subir... e parou. Parou pra valer. O que deveria ser símbolo de progresso virou justamente o contrário - uma lembrança constante de que nem todos os planos dão certo.
O tempo foi passando, a cidade mudando ao redor, e o Esqueletão continuou ali, imóvel. Tornou-se parte da paisagem, mas daquelas partes que a gente preferia que não estivessem lá. Uma cicatriz arquitetônica que todo mundo conhecia, mas ninguém sabia direito o que fazer.
O fim de uma era
Agora, em 2025, as máquinas finalmente chegaram. E não foi sem certa dose de drama urbano, aquela sensação de "era isso mesmo que a gente queria?". A demolição começou no início de outubro, transformando lentamente o esqueleto de concreto em memória.
É curioso pensar - o prédio que nunca foi concluído precisou ser inteiramente desconstruído. Há uma ironia poética nisso, não acham?
Os trabalhos seguem a todo vapor, com aqueles equipamentos pesados que parecem saídos de filmes de ficção científica. E a cidade respira aliviada? Talvez. Mas também com uma pontinha de saudade daquele velho conhecido problemático.
Marcas que permanecem
O Esqueletão deixa lições. Muitas, na verdade. Sobre planejamento urbano, sobre como lidamos com nosso patrimônio - mesmo o patrimônio problemático - e sobre a memória afetiva das cidades. Porque, convenhamos, depois de 70 anos, o prédio já era mais do que concreto: era personagem.
Quem cresceu em Porto Alegre nas últimas décadas carrega na memória a imagem daquela estrutura fantasmagórica. E agora, com seu desaparecimento, fica aquela pergunta: o que virá no lugar? Outro prédio? Uma área verde? O futuro dirá.
O certo é que o centro da cidade nunca mais será o mesmo. E talvez seja melhor assim - mas é inegável que se vai uma página importante da história urbana porto-alegrense. Uma página que, diga-se de passagem, demorou sete décadas para ser virada.