Jane Goodall se despede aos 91 anos: o legado da mulher que revolucionou nossa visão sobre os animais
Jane Goodall, lenda da primatologia, morre aos 91 anos

O mundo acordou mais silencioso hoje. Jane Goodall partiu, deixando para trás não apenas uma carreira brilhante, mas uma revolução na forma como enxergamos nossos parentes mais próximos no reino animal.

Aos 91 anos, a britânica que começou como secretária e se tornou uma das maiores vozes da conservação mundial nos deixa um legado que, francamente, nem sei por onde começar a descrever. Ela não era só uma cientista - era quase uma força da natureza.

Uma mulher e seus chimpanzés

Lembro de assistir a seus documentários quando era mais jovem e ficar absolutamente hipnotizado. Aquela mulher, tão frágil aparentemente, conseguindo algo que ninguém antes tinha conseguido: ganhar a confiança dos chimpanzés de Gombe.

Ela chegou na Tanzânia em 1960 - uma mulher sozinha, sem formação acadêmica formal, apenas com binóculos, um caderno e uma coragem que hoje me parece quase lendária. Na época, os colegas cientistas torciam o nariz. "Mulher jovem, sozinha na floresta? Estudando macacos?" - duvidavam.

Mas ela provou que estavam redondamente enganados.

Descobertas que abalaram a ciência

Foi ela quem primeiro observou que chimpanzés usam ferramentas. Sim, aqueles gravetos para pescar cupins que viraram quase um símbolo de seu trabalho. Na época, a comunidade científica caiu de queixo - pensavam que só os humanos eram capazes disso.

Mas vai além. Ela documentou sua complexa vida social, suas guerras, suas alianças, seu cuidado com os filhotes. Mostrou que tinham personalidades distintas, emoções, capacidade de sofrer e de amar. Basicamente, ela derrubou a parede que separava "nós" de "eles".

E sabe o que é mais impressionante? Ela fez tudo isso com paciência de santo. Passava dias, semanas, apenas observando. Esperando. Aprendendo a linguagem deles, literal e figurativamente.

Da ciência ao ativismo

Nos anos 80, algo mudou. Ela percebeu que não bastava estudar - era preciso proteger. As florestas estavam sumindo, os chimpanzés sendo caçados, o mundo selvagem encolhendo diante de seus olhos.

Então ela fez o que poucos cientistas fazem: saiu do conforto de seu laboratório natural e mergulhou de cabeça no ativismo. Criou o Instituto Jane Goodall, o programa Roots & Shoots que engaja jovens... Viajou 300 dias por ano, mesmo depois dos 80, pregando a conservação.

"Cada um de nós faz diferença", ela repetia incansavelmente. E acreditava nisso de verdade.

O jeito Goodall de ver o mundo

Conversando com amigos sobre ela hoje, algo me chamou atenção: todo mundo tem uma lembrança especial de Jane. Uns lembram dos documentários, outros de palestras, alguns apenas da imagem dela, sempre com um chimpanzé de pelúcia nas mãos.

Ela tinha esse dom raro de falar sobre ciência de um jeito que até uma criança entendia. Sem jargon, sem arrogância. Com uma doçura que, confesso, às vezes me fazia esquecer que estava diante de uma das maiores cientistas do século.

Seu cabelo sempre preso num coque simples, a voz suave mas firme, os olhos que pareciam guardar segredos da floresta - ela era uma figura quase mítica, mas ao mesmo tempo tão... humana.

O que fica quando uma lenda parte

O mundo perdeu muito hoje. Perdeu uma defensora ferrenha da natureza, uma cientista brilhante, uma contadora de histórias excepcional.

Mas ganhou um legado que, tenho certeza, vai ecoar por gerações. Ganhou milhões de jovens inspirados por seu trabalho. Ganhou áreas protegidas que existem graças a sua luta. Ganhou uma nova forma de ver nosso lugar no mundo.

Jane uma vez disse: "O que você faz faz diferença, e você tem que decidir que tipo de diferença quer fazer." Hoje, olhando para tudo que ela construiu, fica claro que ela escolheu fazer toda a diferença do mundo.

Descanse em paz, Jane. E obrigado por nos lembrar que somos parte desta teia magnífica chamada vida, não seus donos.