Um momento excepcional foi registrado no interior de Pernambuco quando um grupo de furões-pequenos (Galictis cuja) foi filmado em seu habitat natural. O encontro ocorreu no dia 15 de outubro, na Caatinga do município de Buíque, e representa um dos raros registros desta espécie elusiva no bioma.
O encontro inesperado
Rafael dos Santos Batista foi o responsável pelo flagra histórico. Ele realizava atividades de rastejo - método utilizado na busca por indícios de sítios arqueológicos - quando se deparou com os animais. "O sentimento foi bom. A Caatinga de vez em quando presenteia a gente quando está no mato", relatou Rafael, que afirmou nunca ter visto a espécie antes.
O pesquisador descreveu a cena com entusiasmo: "Pena que às vezes não dá pra fazer o registro de algumas coisas. Tem muita coisa bonita, mas essa foi singular, por conta da aproximação. Eles se dispersaram e depois voltaram".
Espécie de comportamento difícil
Segundo Ricardo Roth, mastozoólogo e doutor em Ecologia Aplicada pela USP, o registro é considerado particularmente raro. "Mesmo nas regiões Sul e Sudeste, onde há mais registros, é difícil encontrá-lo porque o furão-pequeno é muito arisco, ágil e furtivo", explicou o especialista, que atua como consultor ambiental autônomo e colaborador do Laboratório de Mamíferos (LAMA) da ESALQ/USP.
Ricardo destacou que surpreender os animais e conseguir uma boa filmagem foi um evento bastante feliz, já que a espécie evita intensamente a presença humana, embora eventualmente possa ser vista cruzando rapidamente proximidades de construções.
Características comportamentais
O pesquisador revelou que não é incomum que os furões formem grupos familiares. "Filhotes ficam bastante tempo com a mãe e podem ser vistos a seguindo e caçando juntos", disse. A espécie é considerada "plástica", demonstrando notável capacidade de adaptação a diferentes ambientes.
Ricardo compartilhou um relato pessoal que ilustra bem essa versatilidade: "Pessoalmente, já o encontrei em campos do Pampa, entre plantações de cana e milho do Sudeste e, por último, em um fragmento florestal perto de Jundiaí".
Em uma ocasião particularmente impressionante, o especialista testemunhou um indivíduo arrastando uma gaiola usada em monitoramento ambiental que havia capturado um gambá (Didelphis albiventris) durante a noite. "Pela manhã, verifiquei que o furão matou o gambá, comendo membros que conseguiu puxar pelas grades, e estava arrastando a gaiola com o cadáver para o mato para terminar a refeição. Eles podem ser bem ferozes e determinados também", relatou.
Distribuição e hábitos alimentares
A distribuição da espécie é ampla, abrangendo Pampa, Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga. Nos dois últimos biomas, a ocorrência é mais comum nos limites com a Mata Atlântica. Mais para o interior do Cerrado e da Caatinga, parece ser mais frequente outra espécie do mesmo gênero, a Galictis vittata.
Quanto à alimentação, o furão-pequeno é essencialmente carnívoro e predador de pequenos vertebrados, como mamíferos, aves e répteis. "É difícil estudar a dieta de um bicho tão arisco e pequeno. O consenso é que ele é carnívoro", afirmou Ricardo.
Além do relato pessoal envolvendo o gambá, existem registros na literatura científica de furões abatendo preás (Cavia aperea) e serpentes. Seu faro aguçado e agilidade sugerem que também possa predar aves e ninhos em árvores baixas.
Comportamento social e inteligência
O mastozoólogo explicou que o furão-pequeno parece ser predominantemente diurno a crepuscular, embora existam registros de atividades noturnas. "Formam casais monogâmicos, e os filhotes podem andar com os pais até o início da fase adulta. São ferozes, ágeis e inteligentes para caçar sozinhos ou em grupo, abatendo até presas potencialmente perigosas, como serpentes venenosas".
Ainda há lacunas no conhecimento sobre a reprodução da espécie. "Não se sabe o período reprodutivo, o número de filhotes, nem detalhes sobre o cuidado parental. O que se observa em cativeiro é que tanto adultos quanto jovens são muito sociáveis e brincam bastante quando não estão caçando", completou o especialista.
Status de conservação e curiosidades
Em relação ao status de conservação, o furão-pequeno é classificado como "Least Concern" (pouco preocupante) tanto pela lista mundial da IUCN quanto pela brasileira do ICMBio. Ricardo Roth explicou que "isso é relativamente comum com espécies de raro encontro. A dificuldade de observação está mais ligada ao comportamento furtivo do que a populações pequenas".
O pesquisador destacou ainda várias curiosidades sobre o comportamento da espécie: "São ferozes e implacáveis na predação, sobretudo em grupo. Também são muito sociáveis e espertos, mesmo adultos gostam de brincar".
Entre suas habilidades, destacam-se a natação e a escalada. Como outros membros da família Mustelidae, possuem cérebro grande em relação à massa corporal, o que sugere um alto nível de inteligência.
Esse último aspecto pode ser observado no vídeo do flagrante: "os membros se reúnem e enfrentam como grupo uma ameaça maior, o próprio observador. Ariranhas (Pteronura brasiliensis) fazem algo parecido, uma estratégia incomum entre espécies, já que a maioria dispersa diante de uma ameaça", concluiu o especialista.