Caso Henry: Psicanalista alerta sobre os riscos na escuta de crianças em situações de trauma
Caso Henry: Riscos na escuta de crianças vítimas de violência

Quando uma criança passa por algo tão brutal quanto o que aconteceu com Henry, a forma como ela é ouvida pode fazer toda a diferença — e não é exagero dizer que um passo em falso nesse processo pode piorar ainda mais as feridas invisíveis. A psicanalista Vera Iaconelli, em entrevista à VEJA, soltou o verbo sobre um tema que muita gente trata com luvas de pelica: a escuta de menores em situações de trauma.

"Tem gente que acha que é só sentar e perguntar ‘o que aconteceu?’", dispara ela, com aquele tom de quem já viu cada coisa na vida. Mas a realidade, claro, é bem mais complicada. Crianças não são adultos em miniatura — o cérebro delas ainda está se ajeitando, e uma pergunta mal formulada pode virar uma confusão danada na cabeça delas.

O perigo das perguntas ‘venenosas’

Imagine a cena: uma criança assustada, um interrogatório cheio de termos jurídicos, adultos ansiosos por respostas... É quase uma receita para o desastre. Vera alerta que pressão excessiva pode fazer a criança "inventar" detalhes só para agradar os adultos — e aí, meu amigo, a coisa desanda de vez.

Alguns erros comuns que viram um verdadeiro pesadelo:

  • Perguntas sugestivas ("ele te bateu com o quê?")
  • Repetição exaustiva do mesmo questionamento
  • Ambiente inadequado — cadeira de delegacia não é lugar de criança

E como fazer direito?

A especialista defende uma abordagem que parece óbvia, mas que na correria do dia a dia acaba ficando no esquecimento:

  1. Tempo é crucial: não dá pra apressar uma criança como se fosse depoimento de novela
  2. Linguagem adaptada: esquecer juridiquês e falar na altura delas
  3. Profissionais preparados: nem todo psicólogo sabe lidar com trauma infantil

"Tem casos", conta Vera, "em que a criança prefere desenhar ou brincar para expressar o que viveu — e tá tudo bem!" O importante é criar um espaço seguro, sem julgamentos.

O fantasma da revitimização

Aqui entra um ponto crucial: cada vez que a criança precisa repetir sua história para um novo profissional, é como se revivesse o trauma. Vera compara com assistir ao mesmo filme de terror várias vezes — só que pior, porque é a vida real dela.

"O sistema precisa se organizar para evitar essa peregrinação", defende a psicanalista. Uma solução? Gravar o depoimento especial uma única vez, com todos os cuidados, e usar esse material nos processos.

No fim das contas, o que fica claro é que escutar crianças exige muito mais do que boa vontade — precisa de técnica, paciência e, principalmente, respeito pelo tempo e pelo sofrimento delas. Como bem lembrou Vera: "A justiça pode esperar; o desenvolvimento infantil, não".