
A noite de segunda-feira em São João de Meriti não trouxe o silêncio habitual. Pelo contrário — estampidos de armas pesadas cortaram o ar, anunciando mais um capítulo sangrento na guerra não declarada que assola a Baixada Fluminense. E no centro dessa tempestade de chumbo, um nome: Cabo Leonardo Gonçalves, 38 anos, que não voltaria para casa.
Parece que a rotina nas comunidades dominadas pelo crime organizado segue um script macabro. Desta vez, a cena se desenrolou na Rua Maracanã, no bairro da Vila Rosali, onde uma operação policial de rotina — pelo menos era isso que se esperava — rapidamente degenerou num inferno de tiroteio.
O momento do confronto
Eram aproximadamente 19h30 quando tudo começou. Os PMs chegaram recebendo informação sobre movimentação suspeita de milicianos na área. Mas os criminosos, parece, estavam esperando. A reação foi imediata, violenta, desproporcional. Uma chuva de balas que transformou a rua pacata num campo de batalha urbano.
Leonardo, com 15 anos de corporação, foi atingido no peito. Na confusão, dava pra ouvir os gritos dos colegas tentando prestar socorro enquanto respondiam ao fogo. Uma cena caótica, daquelas que ficam gravadas na memória — e na alma — de quem presencia.
A corrida contra o tempo
Os companheiros não mediram esforços. Sob fogo cruzado, conseguiram retirar o cabo ferido e correram em direção ao Hospital Municipal de São João de Meriti. A esperança, frágil como vidro, acompanhava cada curva do veículo. Mas o estrago era grande demais.
Chegando ao pronto-socorro, os médicos tentaram de tudo — reanimação cardiorrespiratória, os procedimentos de praxe. Mas às 20h40, veio a confirmação amarga: morte por ferimento de arma de fogo no tórax. Fim da linha para um homem que dedicou quase metade da vida à farda.
O que sobrou do tiroteio
Enquanto isso, no local do crime, a cena era desoladora. Os milicianos — esses fantasmas que dominam territórios — haviam sumido, deixando para trás apenas as marcas do confronto:
- Vários veículos atingidos por balas perdidas
- Casas da redondeza com marcas de tiros nas paredes
- O silêncio pesado que sempre vem depois da violência
A Polícia Civil assumiu as investigações, claro. Mas você sabe como é — nas áreas controladas por milícia, as testemunhas são tão raras quanto honestidade em campanha eleitoral.
O legado de um PM
Leonardo deixa esposa, dois filhos pequenos e a lembrança de um profissional que, segundo colegas, "acreditava no trabalho". Um daqueles policiais que ainda pensava poder fazer diferença, mesmo vendo o poder paralelo crescer como erva daninha.
E enquanto a corporação se prepara para mais um enterro com honras militares, a pergunta que fica ecoando nas ruas de Meriti é: até quando? Até quando cidadãos de bem — e os próprios policiais — serão reféns dessa guerra sem fim contra as milícias?
O caso, diga-se de passagem, já virou mais um número nas estatísticas da violência no Rio. Mas para a família Gonçalves, é muito mais que isso — é o vazio na mesa de jantar, a cadeira vazia no Natal, o silêncio no telefone.