As mulheres estão na linha de frente da transformação urbana rumo a cidades mais sustentáveis e justas. Essa é a convicção de Caterina Sarfatti, diretora de Inclusão e Liderança Global do C40, rede que reúne mais de cem prefeitos comprometidos com a ação climática.
Vulnerabilidade não é destino
Presente nas negociações da COP30 em Belém, Sarfatti afirma com clareza: não há saída para a crise climática sem justiça social. E a igualdade de gênero é parte fundamental dessa equação.
"Não é possível superar a crise climática sem uma transição justa. E não há transição justa sem plena igualdade de direitos das mulheres e representação delas nas políticas climáticas", defende a executiva italiana.
Ela destaca que as cidades são o epicentro da crise climática e que nelas as mulheres sofrem mais. Mulheres e crianças têm 14 vezes mais probabilidade de morrer em desastres climáticos. Mas Sarfatti faz questão de frisar que essa vulnerabilidade não é biológica - é social.
"Ela decorre da discriminação existente, das normas sociais, da desigualdade salarial, da dificuldade de acesso a empregos, à moradia, a serviços. É isso que as torna mais vulneráveis", explica.
Liderança feminina em ação
Ao mesmo tempo que reconhece a vulnerabilidade, Sarfatti enfatiza o papel transformador das mulheres. "Nas comunidades informais, nas redes de reconstrução pós-desastre, no ativismo climático - são as mulheres que puxam a transformação", afirma.
O C40 coleciona exemplos concretos de como políticas desenhadas com olhar feminista geram benefícios coletivos. Na Cidade do México, o sistema de bicicletas compartilhadas aumentou significativamente seu uso após consultas com mulheres identificarem que o principal problema era a sensação de insegurança.
"Em vez de simplesmente expandir o número de bicicletas, a cidade melhorou a iluminação e criou políticas de segurança. O resultado foi uma adesão maior de toda a população, não apenas das mulheres", relata Sarfatti.
Outro caso vem de Bogotá, onde a prefeitura passou a treinar mulheres para dirigir ônibus elétricos, abrindo espaço para empregos verdes e bem remunerados. "É uma política que resolve dois problemas: a falta de motoristas e a exclusão econômica feminina", destaca.
Desafios e oportunidades
Para Sarfatti, os desafios de inclusão começam na base econômica, mas também passam pela política. "Há barreiras econômicas, como a diferença salarial, a desigualdade na posse de imóveis, e há a sub-representação das mulheres na política", enumera.
Ela revela que apenas 15% dos ministros do meio ambiente no mundo são mulheres. "Ainda há uma barreira enorme para o acesso. Precisamos garantir que a negociação climática não retroceda em direitos de gênero", alerta.
No C40, ela faz questão de promover o equilíbrio de gênero na governança: "Temos sempre um co-presidente homem e uma mulher, um do Norte e outro do Sul global. Isso é fundamental para representar a diversidade do mundo".
O que é uma cidade feminista
Ao imaginar o futuro, Sarfatti descarta a ideia de uma cidade "futurista" cheia de tecnologia. "Uma cidade feminista não é aquela dos carros autônomos e prédios inteligentes", define.
"É uma cidade onde o transporte é acessível e seguro, a moradia é eficiente e a energia é limpa. Onde as crianças respiram ar puro e as famílias vivem com dignidade", descreve.
E conclui com esperança: "Uma transição justa é, necessariamente, uma transição feminista. E já existem pedaços dessas cidades pelo mundo, o que precisamos é mostrar isso e ampliar".
Formada em filosofia e teoria política em Paris, Sarfatti começou sua trajetória militando pelos direitos de migrantes. Sua tese foi sobre migração induzida pelo clima, quando poucos falavam sobre o tema. Hoje, ela lidera um programa no C40 que estuda o impacto da migração climática nas cidades - um assunto que promete estar cada vez mais no centro da agenda global.