Filipinos processam Shell em Londres por danos de tufão ligado à mudança climática
Filipinos processam Shell por danos de tufão climático

Mais de 100 cidadãos das Filipinas entraram com uma ação judicial contra a gigante do petróleo Shell em um tribunal de Londres. Eles acusam a empresa de ter contribuído para as mudanças climáticas que intensificaram o supertufão Rai, que devastou o país em dezembro de 2021.

O tufão devastador e a acusação

O tufão Rai, conhecido localmente como Odette, foi um dos mais destrutivos a atingir as Filipinas na história recente. O fenômeno climático extremo deixou um rastro de destruição: mais de 400 mortos, centenas de milhares de pessoas desabrigadas e prejuízos materiais estimados em cerca de US$ 1 bilhão.

Os autores da ação, representados por uma equipe de advogados internacionais e filipinos, buscam indenizações por uma série de danos. A lista inclui mortes, destruição de propriedades, perda de fontes de renda, traumas psicológicos e a ruína completa de meios de subsistência.

O processo foi apresentado no Reino Unido, sede global da Shell, mas se baseia no código civil das Filipinas. O cerne da acusação é que a Shell sabia há décadas que a queima de combustíveis fósseis por ela promovida contribuía para o aquecimento global. Apesar desse conhecimento, a empresa manteve e expandiu suas operações de exploração e produção. Além disso, os demandantes alegam que a petroleira atuou ativamente para semear dúvidas e enfraquecer o consenso científico sobre o tema.

A defesa da Shell e o cenário jurídico global

A Shell rejeitou veementemente as acusações, classificando a ação como "infundada". Em comunicado, a empresa argumentou que o debate sobre as mudanças climáticas é público há muitos anos e envolve escolhas complexas feitas por governos, outras empresas e pelos próprios consumidores. A petroleira defende que responsabilizar uma única companhia não é a solução para enfrentar um desafio global de tamanha magnitude.

Este caso filipino não é um evento isolado. Ele se insere em uma onda global de litígios climáticos contra grandes emissores de gases de efeito estufa. Embora vitórias decisivas ainda sejam raras, os tribunais em várias partes do mundo têm se mostrado mais abertos a discutir a conexão entre emissões históricas, eventos climáticos extremos e a responsabilidade legal das corporações.

Precedentes importantes

Dois casos anteriores são frequentemente citados como marcos nessa batalha jurídica:

  • Peru vs. RWE (Alemanha): O agricultor peruano Saúl Luciano Lliuya processou a empresa de energia alemã RWE. Ele alegava que as emissões históricas da companhia contribuíram para o derretimento das geleiras nos Andes, aumentando o risco de inundações para sua cidade. Embora tenha perdido a ação, o tribunal reconheceu, em princípio, que empresas podem ser responsabilizadas por danos climáticos, um avanço conceitual significativo.
  • Shell na Holanda: Em 2021, a Shell sofreu uma derrota expressiva quando um tribunal holandês ordenou que a empresa reduzisse suas emissões globais em 45% até 2030. A decisão, porém, foi revertida em recurso em 2024. Apesar da vitória no caso específico, o juiz manteve o reconhecimento de que grandes produtoras de combustíveis fósseis têm uma "responsabilidade especial" no combate à crise climática.

Nos Estados Unidos, a ExxonMobil também enfrenta uma série de ações movidas por estados e municípios, que acusam a empresa de ter enganado o público sobre os riscos climáticos de seus produtos. Esses processos ainda estão em andamento e enfrentam forte resistência legal das corporações.

A ciência por trás do processo

Um dos pilares deste e de outros processos climáticos é a chamada ciência de atribuição. Este campo científico relativamente novo busca quantificar a contribuição específica de fatores humanos, e até de empresas individuais, para eventos climáticos extremos ou para o aumento geral da temperatura global.

No caso contra a Shell, os autores da ação apresentam estimativas de que a empresa é responsável por pouco mais de 2% das emissões globais de gases de efeito estufa ligadas a combustíveis fósseis desde a era industrial. Em contraste, as Filipinas, o país afetado, contribuiu com apenas cerca de 0,2% do total histórico.

Especialistas em direito climático destacam que, mesmo quando não terminam em condenações ou em grandes indenizações, esses processos têm um impacto profundo. Eles funcionam como um poderoso instrumento político e simbólico, ampliando o debate público, aumentando a pressão sobre empresas e governos e, passo a passo, ajudando a construir os precedentes jurídicos que podem moldar decisões futuras.

A ação judicial movida pelos filipinos em Londres é, portanto, mais do que uma busca por reparação financeira. É um capítulo significativo na crescente luta para estabelecer parâmetros de responsabilidade corporativa na era das mudanças climáticas, testando os limites do direito em face de uma das maiores crises globais do nosso tempo.