COP30: Guerra tarifária e protecionismo climático ameaçam acordo global
Guerra tarifária na COP30 ameaça acordo climático

Protecionismo climático domina debates na COP30

A Conferência do Clima da ONU em Belém enfrenta um obstáculo inesperado que ameaça as negociações: a guerra tarifária internacional iniciada pelos Estados Unidos sob a administração Trump está ecoando nos corredores da COP30. O vínculo entre comércio e políticas ambientais se transformou em um dos quatro pontos mais espinhosos da conferência, ao lado de transparência, metas de carbono e financiamento.

Países em desenvolvimento usaram a tribuna para acusar a União Europeia de adotar medidas protecionistas travestidas de ação climática. As críticas, no entanto, encontraram ouvidos surdos entre os numerosos delegados europeus, que até quinta-feira, 20 de novembro, não demonstraram qualquer disposição em revogar suas práticas.

CBAM: A polêmica taxação verde da UE

O centro da controvérsia é o Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono (CBAM) da União Europeia, cuja fase final entrará em vigor em janeiro. A norma visa reduzir emissões dos setores industriais que mais emitem CO2 - como ferro, aço, cimento, fertilizantes, alumínio e hidrogênio - mas também busca proteger a indústria local.

Empresas que exportam para o bloco já precisam relatar as emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global. A novidade é que, a partir de agora, quem estiver acima dos índices considerados equivalentes aos de seus concorrentes europeus pagará uma taxa adicional.

O comissário de Clima da União Europeia, Wopke Hoekstra, garante que a regra entrará em vigor no prazo previsto, mas faz questão de acenar para as empresas brasileiras: "A exposição do país nesses setores é muito baixa", afirmou o holandês em um raro momento de franqueza no meio diplomático.

Brasil na corda bamba comercial

A situação nacional, no entanto, seria ainda mais confortável se as fontes de energia que movem a indústria de transformação fossem devidamente consideradas. Davi Bomtempo, superintendente de sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria, explica: "Temos uma matriz limpa, mas as metas de redução de carbono são calculadas apenas da porta da fábrica para dentro. Isso reforça a percepção de que há uma clara estratégia de defesa comercial."

Na condição de anfitrião da convenção, restou ao Brasil apelar para um "espírito de mutirão" diante de medidas adotadas unilateralmente pela União Europeia. Rogério Studart, economista e ex-diretor pelo Brasil no Banco Mundial e no BID, alerta: "É importante sinalizar que é complicado estender uma mão para um acordo climático e, com a outra, manter mecanismos que ameaçam seus parceiros comercialmente."

Oportunidades na crise climática

O tarifaço verde, no entanto, não representa apenas desvantagens para a economia nacional. Alguns setores, como a mineração, enxergam as barreiras de carbono como uma oportunidade de novos negócios. A Vale, uma das maiores produtoras de minério de ferro do mundo, mira na redução das emissões de sua operação com o objetivo de se tornar mais atraente para os clientes.

Rodrigo Lauria, diretor de mudanças climáticas e carbono da companhia, explica: "Queremos descarbonizar a cadeia do aço com produtos capazes de gerar 10% menos gás poluente nos fornos siderúrgicos."

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, corrobora a visão: "Nossa estratégia contra o protecionismo tem sido a abertura de mercados", disse ele após discursar para ministros de Meio Ambiente de todo o mundo, na capital paraense.

Acordo Mercosul-UE sob ameaça

O governo tenta driblar os entraves, mas tem telhado de vidro: o Brasil segue entre os países mais fechados do mundo. O acordo Mercosul-União Europeia, assinado em setembro após vinte anos de intensas negociações, é visto como chance de mudança, mas ainda depende de regulamentação.

A taxação de cunho ambiental surge novamente como obstáculo, especialmente o Regulamento Europeu de Desmatamento, que veta produtos agrícolas oriundos de áreas desmatadas após 2020. Fruto da influência dos poderosos produtores rurais europeus, incapazes de competir com o pujante agronegócio brasileiro, a medida ignora nossa robusta legislação antidevastação.

Roberto Perosa, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes, alerta: "Se isso virar moda, cada país criará sua regra, contrariando o sistema global de commodities." O protocolo, previsto para dezembro, deve ser adiado pela própria União Europeia devido à dificuldade de rastreamento de cadeias complexas como a da soja.

Busca por soluções multilaterais

Superar o protecionismo climático exige articulação política, mas ferramentas econômicas podem abrir caminhos. Na COP30, surgiu o embrião de um mecanismo capaz de alinhar comércio e clima: a integração de mercados regulados de carbono, que busca criar parâmetros universais e evitar que um só bloco dite as regras do jogo.

Cristina Reis, da Secretaria de Mercado de Carbono do Ministério da Fazenda, é realista: "Se não enfrentarmos isso agora, em dez anos o comércio estará ainda mais dificultado." A iniciativa, porém, deve levar uma década para ser implementada.

O tempo urge. As barreiras verdes, afinal, sobem na mesma velocidade dos termômetros, e o relógio da COP30 já se aproxima das últimas voltas sem uma definição final para o impasse comercial-ambiental que divide nações desenvolvidas e emergentes.